21 fevereiro, 2021

O inquietante agradecimento de Ana Rita Cavaco a Marcelino da Mata

Sei que incomodo muitos, com a minha, digamos, persistência em repudiar posturas repetidamente condenáveis (na minha convicção) da actual bastonária da Ordem dos Enfermeiros.

O problema é que, na minha consciência, é impossível permanecer em silêncio perante absurdos de deixar pasmo qualquer pessoa de bem. Depois, além disso, gosto de refletir, escrevendo e de manter aceso o Movimento – Manifesto pela Dignidade, que em breve eclodirá. Se ainda procuras forma para o conhecer e assinar, contacta manifesto.dignidade.cj@hotmail.com

Desta vez, a Bastonária da Ordem dos Enfermeiros indignou-se porque só o CHEGA, mais uns apêndices de extrema direita e o PR (!!!!) estiveram no funeral de Marcelino da Mata.

Escreveu, passo a citar: “Um país sem memória e sem história não existe. Acham-se donos do país? Não são. Vergonha. A minha vénia Sr Tenente Coronel e o meu obrigada.” E termina com o hashtag “semperfi” e hashtag “vergonhanacional”.

 


Três  apontamentos apenas, antes do desenvolvimento,

Sra Bastonária, o país tem memória sim e a história nunca se apaga, mas não se deve celebrar ou reconhecer aquelas que foram as páginas negras da história. Podemos relembrá-las para que nunca se repitam mais, mas nunca celebrá-las e muito menos agradecê-las.

Semperfi, uma forma abreviada de semper fidelis, o hashtag que se tornou emblemático no seu discurso, é uma expressão marcadamente militar, o que na minha opinião não se coaduna com aquilo que deveriam ser os pergaminhos de uma bastonária de uma Ordem profissional.

Vergonha é a palavra que o seu amigo André Ventura mais utiliza para atacar o Governo. Curiosamente utilizou-a no mesmo contexto. Não defendo o Governo, mas estar persistentemente a atacá-lo, é , no mínimo, contraproducente.

Então vejamos quem foi Marcelino da Mata, o “Rambo da Guiné”.

Fiz uma pesquisa de artigos de opinião, publicados em jornais e plataforma digitais de referência e chego a uma conclusão. Os que defendem e elevam Marcelino da Mata a herói, apenas se debruçam sobre os actos heroicos. Sim, este militar foi corajoso, ajudou a salvar outros militares portugueses e era exímio na “arte da guerra”, mas esquecem-se dos crimes de guerra. Esses são relembrados pelos autores que se opõem determinantemente a um reconhecimento. Há evidências de relatos de terror e barbárie, pelo próprio Marcelino da Mata, que se vangloriava dos seus actos macabros. Alguns desses, não os vou aqui mencionar para não magoar os(as) mais sensíveis, mas deixo os links.

In Expresso,

“Nunca foi herói. Os heróis têm um ideal, Marcelino da Mata não o tinha”, disse ao Expresso o coronel Carlos Matos Gomes, militar da revolução de Abril, que combateu na Guiné durante a Guerra Colonial. Artigo completo aqui 

 “Marcelino da Mata era tão contraditório como todas as guerras (…). Era um militar corajoso e audaz (…). À luz de qualquer código moral ou militar, cometeu inúmeros crimes de guerra. (…) Vangloriava-se de atirar granadas incendiárias para as palhotas e, depois, matar homens, mulheres e crianças.”


In Noticias Online - por Garcia Pereira

"Não apaguem a memória!” foi a palavra de ordem, e também a denominação, do movimento cívico criado e lançado em 5 de Outubro de 2005 por um grupo de cidadãos – o qual tive a honra de integrar – que justamente se indignou com o facto de se permitir que o edifício sede da PIDE, na Rua António Maria Cardoso, em Lisboa, pudesse ser transformado num condomínio de luxo, sem sequer se assinalar não apenas que ali haviam sido encarcerados, torturados e até assassinados, às mãos dos esbirros da polícia política, inúmeros combatentes anti-fascistas (…)

Um povo sem memória é um povo sem futuro. (…) Ora, foi precisamente isto que sucedeu, entre outros, com os massacres de Batepá (em 3/2/1953, em São Tomé), Pidjiguiti (em 3/8/1959, na Guiné-Bissau), Mueda (em 16/6/1960, em Moçambique), Baixa do Cassange (em Fevereiro de 1961, em Angola), e como os de Mukumbura, Chaworba, Juawu e Wiriyamu (entre 1971 e 16 de Dezembro de 1972, todos no distrito de Tete, em Moçambique, e denunciados por padres católicos como Adrian Hastings e Enrique Fernando).

Todos estes massacres, sempre negados e desmentidos pelo regime fascista e pela sua propaganda, causaram centenas de vítimas (mais de 1.000 no de Batepá e mais de 400 no de Wiriyamu), assassinadas muitas delas com horríveis requintes tanto de repugnante malvadez como da mais miserável cobardia, que rigorosamente nada têm que ver com princípios de “honra”, de “coragem” ou de “heroísmo” e antes constituem verdadeiros crimes de guerra, os quais devem ser lembrados e denunciados como tal.

 Porque, se o não fazemos, um dia destes até parecerá que não houve regime fascista, não houve nem censura nem polícia política, nem prisões, nem torturas, nem assassinatos políticos, nem guerra colonial, nem crimes ou criminosos de guerra(…). 

Vem tudo isto a propósito do facto de que, nos últimos dias, imprensa e redes sociais se encheram de “notícias” e sobretudo de comentários relativos ao falecimento e ao funeral do tenente-coronel Marcelino da Mata e sobre as homenagens de que ele seria supostamente merecedor que alguns vieram defender, não raras vezes com o infelizmente habitual recurso ao insulto e ao ataque pessoal contra os discordantes.

E, mais do que isso, em tais cerimónias, e como se de um verdadeiro herói nacional se tratasse, fizeram-se representar os partidos políticos Chega, Ergue-te! e PDR e compareceram, para além do Chefe do Estado-Maior do Exército, General Nunes da Fonseca, e do Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, Almirante Silva Ribeiro, o próprio Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que, todavia, já não esteve presente nos funerais de militares que fizeram o 25 de Abril e que faleceram recentemente como Teófilo Bento, Luís Macedo, ou Abrantes Serra.

Quem foi Marcelino da Mata?

Mas quem foi, afinal, Marcelino da Mata? (…)

Entre 1966 e 1973, Marcelino da Mata foi inúmeras vezes louvado e condecorado pelo regime colonial-fascista, recebendo dezenas de louvores, duas medalhas de 1ª classe, duas de 2.ª classe e uma medalha de 3ª classe da Cruz de Guerra, tendo, em 02/07/69, sido feito Cavaleiro da Antiga e Muito Nobre Ordem Militar da Torre e Espada, de Valor, Lealdade e Mérito (a mais elevada ordem honorífica de Portugal).

É óbvio que o regime fascista não condecorava à toa, (…) Marcelino da Mata ficou conhecido e se tornou merecedor dos louvores que recebeu, mas sim enquanto colonizado que escolheu ficar do lado do colonizador e, muito mais ainda, enquanto autor de barbaridades indizíveis contra não só o “inimigo” (os guerrilheiros do PAIGC) mas também contra populações civis completamente indefesas e com cuja tortura e massacres se satisfez, gabando-se e orgulhando-se de tais “proezas” até ao fim dos seus dias. Não foi, aliás, por acaso que ficou conhecido por “Rambo da Guiné”, comparado com o qual, conforme o próprio se gabava, o original seria uma criança…

No livro O interior da revolução, de Vasco Lourenço, este relata explicitamente como Marcelino da Mata contou em Bissau a vários outros militares, uma das suas proezas: “(…) Entrámos na tabanca, deitámos granadas incendiárias para as palhotas, as pessoas fugiram para o centro da tabanca, matámos todos, homens, mulheres e crianças”.

Relato similar foi feito pelo próprio, em 1971, na sequência da Operação Mar Verde, no Xime (cais do rio Geba), com exibição de um boião de vidro com despojos humanos conservados em álcool, segundo referência de Clementino Castro, da Companhia de Artilharia (CART) 3715.

E segundo os relatos dos que por lá passaram, quer na BA12, quer, antes disso, nos chamados “Roncos de Farim”, sempre foram amplamente conhecidas as sanguinárias façanhas de Marcelino da Mata, ou seja, dos verdadeiros crimes de guerra por ele cometidos, e o modo como deles se gabava e ufanava, a ponto de proclamar, e por diversas vezes, que quando capturava “turras” (guerrilheiros ou suspeitos de com estes colaborarem), não os entregava à PIDE pois preferia torturá-los das formas mais bárbaras e ficar a vê-los morrer no maior dos sofrimentos.(…) 

Por isso, para que este pretenso “herói” Marcelino da Mata e o que ele representou e representa não seja esquecido, é preciso gritar de novo e bem alto:

Não apaguem a memória!

In Jornal Sol

“o coronel Folques recorda um soldado exemplar: «Portou-se como sempre se portava. Portou-se muito bem. (…) Foi o único militar que esteve sempre operacional, não teve nenhum descanso, não teve nenhuma pausa, esteve presente durante os 13 anos de guerra que houve na Guiné», destaca o coronel Folques, (…) Marcelino da Mata foi posto à prova. A lista estende-se por mais de duas mil missões, incluindo a famosa ‘Mar Verde’, em 1970, na qual foram libertados 26 prisioneiros de guerra portugueses. (…) «É preciso dizer que são homens como o Marcelino que têm coragem e altruísmo bastantes para pôr a sua vida em risco, ao serviço de um conceito de pátria à prova de ideologias», recorda. Para o major, o tenente-coronel «não foi apenas um soldado exemplar», foi também «um cidadão que honra todos os portugueses e que envergonha todos os seus detratores». «Marcelino não vai morrer, nem ele nem os comandos vão morrer. E vão ficar na história, quer queira quem diz mal dele ou não»

Artigo completo, onde estão relatos chocantes aqui 

In Contacto, por Raquel Ribeiro

Declaração de princípios: sou, como muitos da minha geração, filha de um veterano da guerra colonial. Não o digo para invocar qualquer lugar de fala, mas para acrescentar que compreendo que memórias da guerra não são nunca memórias em paz. (…)

Trabalho igualmente como investigadora com veteranos de guerras civis (Angola) ou com dinâmicas distintas (Colômbia). Portanto, não tratarei de julgar pessoas que em determinadas circunstâncias "fizeram guerra", com tudo o que isso implica, apanhadas nas encruzilhadas da história, inscrevendo-se ou apagando-se nela/dela consoante os processos da sua (re)escrita. (…)

Interessa-me menos julgar Marcelo ou até os Capitães de Abril que se pronunciaram sobre o militar, realçando a sua "coragem" e, muitos, acrescentando um "mas" à sua conduta, do que a exaltação de uma masculinidade tóxica, de uma retórica nacionalista, salazarista, colonialista que circulou nos últimos dias a propósito do "herói" contrafeito canonizado pela direita conservadora e pela extrema-direita. Começou pela nota do CDS, para que se declarasse luto nacional e funeral de Estado, e passou pelos louvores ao militar pelo líder do Chega, do PNR, sites nacionalistas, e por comentadeiros com saudades do chicote da PIDE e do sangue da guerra nas colónias.

 In Minho Digital, por Manso Preto

“O Tenente-Coronel Comando Marcelino da Mata foi o militar português mais condecorado de sempre. Durante a Guerra Colonial, lutou pelas Forças Armadas de Portugal, tendo participado em 2412 operações de combate. Com ele, morreu grande parte do Portugal que amava!

Marcelino da Mata abraçou uma Pátria que não escolheu a cor da pele. Queria sobreviver e, corajosamente, esteve sempre na primeira linha. Voluntarioso, era o primeiro a dar um passo em frente (…)

Os seus feitos fizeram dele uma lenda viva, uma referência daqueles que olham com respeito a Bandeira Nacional e ainda se arrepiam ao ouvir o Hino Nacional!

Dizia-me há dias um amigo que com ele privou que Marcelino da Mata era um ser humano extraordinário e que por trás do valente guerrilheiro estava um homem de sensibilidade rara. (…)

O Panteão Nacional, espera-o! Oxalá haja uma avaliação objectiva, independente, patriótica para avançar com o processo!

Porque a História não se reescreve!





Tiago Subtil, membro OE n. 40791

manifesto.dignidade.cj@hotmail.com

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