02 julho, 2023

Condução sem limite



A legislação diz-nos que não há limite de idade para parar de conduzir veículos motorizados. Basta ter capacidade física e mental para continuar.
Se por um lado, é inclusivo e todos nós gostaríamos de chegar aos 80 e 90, sem que a lei nos pudesse colocar um travão num veiculo para a nossa autonomia, por outro lado é no mínimo discutível, porque parece-me que há capacidades que se perdem ou atenuam, para uma condução segura, a qualquer veiculo motorizado.
Esta reflexão vem a propósito do episódio surreal que vivi há dias.Seguia de carro, por um caminho rural, de saída da casa dos meus pais.
Nas aldeias é muito frequente haverem estradas ou caminhos muito estreitos e sinuosos, o que confere um aumento significativo de perigosidade.
De repente vejo no meio da estrada um casal de idosos a deambular com muita dificuldade e hesitação.
Parámos e perguntei se precisavam de ajuda. Ambos estavam ensanguentados devido a, aparentemente, várias escoriações. Ele, enfraquecido e trémulo, ainda estava com o capacete na cabeça. Ela, titubeante e confusa. 
Olho em redor a tentar perceber o estranho cenário que assistia . Encosto o carro e vejo mais além uma moto 4 gigante tombada e outro capacete afastado.
Faço varias perguntas ao senhor, para tentar perceber as circunstâncias do acidente. 
A senhora tinha doença de Alzheimer, ambos perto dos 85 anos, não especificou bem. Vinham de Ponte de Lima a caminho de Cerveira. Terá se despistado, segundo referiu, devido a um buraco na estrada.
Entretanto tinham parado outras pessoas para também ajudar. Insistia para que lhe puséssemos a moto 4 direita, para ir embora, juntamente com a esposa. Dizia que limpava as feridas em casa, que os dois estavam bem e que a esposa já tinha aquele comportamento estranho pela doença de Alzheimer. 
Expliquei lhe várias vezes que não poderia abandonar o local na mota, que não estavam em condições para sair e que teríamos que esperar por ajuda que já tinha sido acionada . 
Repetia o seu discurso e estava nitidamente com uma perda de noção daquilo que é razoável. Questionei se tinha bebido álcool. Respondeu que não bebia e acreditei. É certo que tinha acabado de passar por uma situação de extremo stress e seria legítimo estar com um comportamento a tender para o desadequado, mas tudo aquilo deixou todos os presentes apreensivos - interrogávamo-nos o que fazia uma pessoa de idade tão avançada, a conduzir uma mota 4 e a esposa com demência no lugar de pendura, numa viagem extensa, por caminhos perigosos?
Se por um lado pensei que havia um certo romance neste quadro, esse borratou quando pensei que, por alguns minutos, poderia ter levado com aquele monstro em cima e tudo ser bem mais grave para eles e para nós.
A ajuda chegou rápido, as vítimas assistidas e seguimos o caminho a refletir sobre o que tinha acontecido.
Aceito e até desejo como referi em cima, que uma pessoa com 90 anos tenha o direito de puder conduzir, porém questiono se é prudente que possa conduzir qualquer veículo.
Para a condução deste tipo de veículos é necessária muita agilidade, destreza e uma boa capacidade de reação. Não me parece, de todo, que este senhor a tivesse.
Como é efetuada a avaliação psicológica? Alguém que leva uma pessoa com demência no lugar de pendura de uma moto 4, terá sentido de responsabilidade e noção dos riscos?
Poderão responder-me que há uma taxa muito maior de feridos e mortos jovens na estrada e que muitos deles também não tiveram sentido de responsabilidade e noção dos riscos. Certo. Mas isso já é outro assunto.



24 junho, 2023

Obrigado Teresa Fraga


Há 2 anos atrás recebia uma chamada de uma pessoa que não conhecia.
Não esqueço esse dia. Acredito que represente uma pequena grande peça da mudança que ambos desejámos. 
Não sabia quem eras, mas já nessa altura eras conhecida e reconhecida (talvez não por todos os que deveriam, mas pelos que interessam). 
Já nessa altura eras (e és e serás) uma das enfermeiras mais notáveis no panorama da enfermagem em Portugal.
Só mais tarde soube, quando comecei a acompanhar o Kastelo que construíste.
Uma vénia! A ti, à tua equipa.
Naquela que é provavelmente a área da saúde mais complexa e intensa para todo o espectro mental de quem cuida, demonstrais um empenho, profissionalismo, dedicação e amor desmesurável. 
Só assim seria possível.
Que orgulho para mim, para a enfermagem.
Que orgulho, por ver-te a liderar este nobre serviço, quando lamentavelmente é raríssimo haverem enfermeiros, nesses cargos, nas Instituições ligadas à saúde, em Portugal.
Que orgulho por ver o quão sois fundamentais para aquelas famílias.
Que orgulho por seres a mentora desta equipa, que contigo dá cor, neste filme que já foi tão cinzento, para aquelas famílias. 
Não sou eu que o digo, é a tua equipa. 
Revejo o programa "Dois às 10" da TVI e estremeço novamente. 
Regozijo com os reconhecimentos que te são feitos, mesmo até com o do Marques Mendes, na SIC.
Ninguém poderá ficar indiferente. 
Mas houve quem ficasse. Houve quem ficasse indiferente a todo esse grandioso percurso e ao reconhecimento que justamente te foi dado numa das mais prestigiadas Galas internacionais de mérito em Saúde comunitária. 
Não vou manchar esta expressão de agradecimento, a apontar o dedo. Sabemos quem não nos tolera e procura derrubar.

Quando me ligaste, falámos sobre a enfermagem, sobre o futuro. Desafios e projetos.  Falámos sobre o que nos preocupava e indignava, relativamente à profissão e ao Órgão que a supervisiona.
Numa altura em que tornava público um Manifesto e petição, em oposição àquilo que era a conduta da Ordem dos Enfermeiros e sua bastonária, onde fui alvo dos mais diversos ataques e insultos, foste a única pessoa que manifestou solidariedade e compreensão de uma forma explícita e direta.
Apesar das centenas de assinaturas e várias mensagens de incentivo, quando esperava um apoio e envolvimento mais permanente de vários conhecidos e amigos, recebi-o de uma desconhecida. 
Aí, já percebia outra virtude que se destaca em ti: a coragem! 
Nos últimos anos e hoje ainda, vemos tanto, mas tanto receio nos enfermeiros, que até assusta.
Tantos temem a pronuncia e manifestação da diferença, para medo de represálias e infindáveis processos.
Nós somos o oposto. Ninguém nos pisa, ninguém nos demove das nossas convicções.
Esta conversa ainda não terminou. Está no inicio. Mas vai continuar porque já estamos unidos. 
Obrigado Teresa!


17 abril, 2023

PimBASTONAda!



Enviaram-me o vídeoclip e eu nem estava a perceber bem o que era aquilo, não reparei nos intervenientes.

Na altura, confesso até que fiquei um pouco apreensivo, porque pensei que me estivessem a enviar uma declaração de amor: “Leva-me contigo meu amor!”. E quem me enviava era um homem. Mais apreensivo fiquei.

Depois comecei a aperceber-me de muito movimento na internet, até que fui ver melhor o videoclip. E aí levei uma Pimbastonada ! O queixo caiu-me na mesa e as pestanas colaram-se-me às sobrancelhas, como nos cartoons. Como foi escrito em comentários, naquela que tem sido a paródia geral espalhada por todas as redes sociais, pela reação ao videoclip, “vou dormir de luz acesa”.

Como curiosidade, outro também escreveu: “É vendido ao garrafão? Qual o preço? Não quero”. É só para terem uma pequena amostra e ideia da paródia que circula.

Então depois percebi, que afinal não era uma declaração de amor, mas sim mais uma seta de Cupido, de quem sabe da “paixão” que nutro pela bastonária.

Depois de tantas vezes a criticar, lamento desiludir os seus protetores e fãs, mas desta vez, vou elogiá-la. É mais corajosa e amiga do que eu alguma vez fui.

Corajosa porque… porque é preciso muita coragem para, sendo Ana Rita Cavaco - cidadã ou Ana Rita Cavaco – Bastonária, participar em… digamos, nisto. Saberia certamente que no meio dos elogios, iria ser alvo de crítica, paródia e troça mas, a meu ver, não se incomoda minimamente com isso.

E amiga, porque supostamente fez um grande favor a um amigo. Terá eventualmente poupado umas centenas ao amigo, evitando que o mesmo pague-se cache a uma modelo. Mas aqui já não há certezas, estou na base da especulação. A única certeza que tenho é que eu nunca seria tão amigo assim de quem quer que fosse. Definitivamente que diria “não”, a um convite de um amigo e provavelmente diria “não” também a um convite de uma amiga. Pensaria talvez quatro vezes, caso houvesse cache chorudo, mas eu não sou bastonário, porque nesse caso, seria um “não” definitivo.

Nas redes sociais, deparamo-nos com as mais variadas reações por parte de enfermeiros e não-enfermeiros: alguns desvalorizam, outros elogiam e a maioria critica. Dessa maioria, alguns fazem paródia, outros simplesmente criticam, com uma tomada de posição de indignação ou descrédito. E há ainda os que se insurgem com quem simplesmente critique, sem parodiar ou ofender.

Há algumas questões que gostaria de colocar. Eu vou colocá-las e vou dar a minha resposta. Quem quiser, é bem-vindo a dar a sua.

1. Tem Ana Rita Cavaco – cidadã / Ana Rita Cavaco – Bastonária da Ordem dos Enfermeiros, o direito de participar neste videoclip?

Obviamente que tem.

2. Enquanto participa no videoclip, deixa de ser bastonária e é simplesmente Ana Rita Cavaco, cidadã?

Não. Ana Rita Cavaco será sempre (até ao fim do mandato) associada à função de Bastonária, até porque na divulgação desta notícia, é difundido pelos meios de comunicação social que o “deputado-cantor contracena com Bastonária da Ordem dos Enfermeiros”, não escrevem que o deputado-cantor contracena com a cidadã Ana Rita Cavaco.

3. Sendo Ana Rita Cavaco a maior representante dos enfermeiros e havendo enfermeiros com as mais diversas opiniões, posturas e personalidades que vão do zero ao oitenta, deverá ou não ter alguma moderação com a postura pública?

Sim, deverá. Se para uns, isto é muito giro, a música é uma delícia e Ana Rita Cavaco faz o que entender no seu tempo livre, para outros a música é um vómito, a letra uma comédia trágico-romântica e sentem-se indignados por esta imagem pública da maior representante dos enfermeiros, ou seja, as deles representante.

4. Poderão as pessoas, sendo elas enfermeiros e enfermeiras, ou não, criticar esta postura?

Obviamente que sim.

5. Parodiar?

Sim, evidentemente.

6. Ofender?

Não. E até agora não vi nenhuma ofensa.

7. Poderão os admiradores, fãs ou defensores de Ana Rita Cavaco, atacar e ofender quem a critica?

Não. Mas como são fracos seres, é o que habitualmente fazem e estão a fazê-lo.

O assunto dá azo a tanta paródia que até Ricardo Araújo Pereira dedica alguns minutos a este assunto no seu programa semanal e mais uma vez, a referência é a Bastonária da Ordem dos Enfermeiros, relembrando também o processo em tribunal dos Quilómetros. Portanto, nos últimos tempos (mas não só nos últimos tempos) as associações que se fazem à Bastonária é paródia e tribunais, quando deveria ser soluções para uma evolução na profissão.

Por tudo isso, termino com o seguinte profundo e filosófico poema do cantor-deputado Luis Gomez:

"Somos como somos

E a vida é como é

Se o amor bate à tua porta

Mas não o queres ver"


Como diria alguém no Twitter:
"Mas... como... o que... quem... hein?"

 

 

31 março, 2023

Algum comentário?

Eu bem tento. Juro que faço esforços para parar de "postar" sobre Ana Rita Cavaco, mas perante isto, não é possível. 
De alguma forma, tem que ficar registado. 
Porque normalmente esquecemo-nos e eu não me quero esquecer.

Os comentários? Esses ficam a vosso critério




 



25 março, 2023

Os problemas de assédio moral no Hospital de Viana



Quem estiver mais ou menos atento às notícias, provavelmente já notou que há um problema num determinado serviço do Hospital de Viana.

Como sempre fiz ao longo de vários anos de blogs, (são 2 apenas… blogs. Porque anos de blog já são muitos mais) não vou mencionar nomes de pessoas e Serviços ou Unidades. Apenas refletir e opinar.

É importante começar por sublinhar que um processo de denúncia é sempre extremamente complexo, delicado e pesado para todos os envolvidos, especialmente para os denunciantes.

Por isso, o meu respeito e consideração por todos os profissionais que tiveram a coragem de assinar esse abaixo-assinado ou Manifesto em oposição aos problemas que são do conhecimento público e que lamentavelmente estão disseminados um pouco por todo o país, por todo o mundo: assédio moral e violência psicológica, por quem está acima na hierarquia laboral.

Este flagelo não é único na instituição implicada. Muitos certamente têm conhecimento de problemas semelhantes numa outra Unidade, mas significativamente mais pequena. Aí só não “rebenta a bomba” porque a equipa de enfermagem é muito curta e desunida. Dessa forma, o senhor diretor de serviço reina a seu belo prazer, como se de uma clínica privada se tratasse, mas nem nessas se pode aceitar uma liderança autocrática, com coação permanente.

Conheço de muito perto ambos os problemas. A fonte sempre foi segura e totalmente fiável. Muitos profissionais desta instituição sabem, mas sempre se foi consentindo, porque os visados são muito poderosos.

Voltando ao primeiro e central problema. Mantenho contacto com vários colegas que pertencem a essa equipa que redigiu a denúncia. Pertenci a esse departamento, felizmente já não. Tive eu próprio o meu conflito com o visado e curiosamente devido ao Blog. Por isso estou em posição de ter uma opinião.

Este caso relembrou-me esse episódio conflituoso. E como além de conflituoso, é curioso, partilho convosco. Foi provavelmente o episódio que mais me marcou em 15 anos de blogs.

Corria o ano de 2015. À data, o senhor de que se fala, já era máximo responsável por todo o departamento em questão.

Decidiu então, o senhor de que se fala (relembre-se, médico), que os enfermeiros da Unidade X teriam de descer para ajudar no Serviço Z, trabalhando à tarefa. O Serviço Z tinha passado uma fase recente de aumento de rácio, que há muito se desejava, porém, mesmo assim, o senhor de que se fala, decidiu, contra vontade de praticamente toda, ou toda até, equipa de enfermagem da Unidade X, que os elementos da mesma sairiam por “empréstimo” para o Serviço Z, para trabalhar à tarefa. Depois de muitos conflitos, discussões e confusões, foi o que aconteceu.

Na altura escrevi sobre isso de forma ponderada. Expus o meu ponto de vista com algum cuidado, porque sabia que aquele meu post poderia “chegar-lhe aos ouvidos”. Lancei questões para a reflexão e discussão geral. Escrevi sobre os aspetos positivos e negativos daquele contexto, naquele momento. Não queria problemas, até porque, apesar de não pertencer a nenhum dos dois serviços envolvidos, pertencia ao mesmo departamento. Não podia comprar uma guerra com alguém do topo da pirâmide e que eu (e muitos outros), já consideravam extremamente perigoso.

O Blog atravessava uma fase de enorme afluência. Tinha centenas de visitas e participantes diários. Era um autor anónimo e procurava a muito custo manter o meu anonimato, mas nessa fase comecei a ser “descoberto”. A curiosidade e a vontade de destaparem o meu anonimato era tanta, que envolveu engenheiros informáticos para me identificarem.

O senhor de que se fala sabia-o. E soube-o por colegas meus, que na altura considerei traidores. Chama-me a um gabinete, traz o diretor do Serviço Z da altura e o enfermeiro-chefe. Fecha a porta e alterado, “encosta-me à parede”. (Não me tocou! É em sentido figurativo!) Praticamente só ele falou. Disparou, ameaçou como quis. Eu respondi que aquilo era apenas a minha opinião, mas que se incomodava assim tanto, que apagaria esse post. Manteve o tom e aí dei possivelmente a melhor resposta da minha vida, perante uma grande adversidade ou intimidação – respondi-lhe que “o 25 de Abril já tinha acontecido em Portugal.” Sendo ele natural de país estrangeiro, poderia ter sido demasiadamente provocador. Mas aí o tom desceu, terá percebido talvez que eu não me iria deixar intimidar. E por muito dura que fosse a ameaça, terá percebido, naquele instante, que eu estava disposto a defender-me até ao último reduto. Mesmo assim acabei por retirar o post, seria uma luta desigual e teria que pensar em algo mais do que apenas em mim e na minha convicção e liberdade de expressão.  

Ainda hoje guardo o post em “rascunhos” e este momento fez-me revisitá-lo e confirmar que de facto era inofensivo. Era uma opinião (igual à de muitos que permaneciam em silêncio) e que afinal fazia algum sentido, porque tempos mais tarde, aquela imposição terminou. Os enfermeiros da Unidade X, deixaram de ter de descer para o Serviço Z.

Voltando novamente ao problema central.

É importante salientar que todo o departamento em questão evoluiu sob a coordenação do senhor de que se fala. A Unidade X e o Serviço Z melhoraram a sua capacidade e estou convicto que todos os que fazem esta grave denúncia, reconhecem que o senhor de que se fala, teve uma forte influência nesse facto.

Mas… para que um líder seja bom, a capacidade de gestão e organização de serviços e equipas não se pode dissociar de uma única premissa – o respeito entre pares. Uma não pode crescer em sentido oposto à outra.

Um líder só é bom, quando consegue conciliar estes dois aspetos.

O inquérito apurará a verdade dos factos e as decisões estarão a cargo da administração.

Só espero que depois disto, não saiam prejudicados todos aqueles (e foi em número extenso) que tiveram a coragem de assinar essa denúncia.

E espero também que nenhum líder autocrático resista a equipas unidas e sólidas

21 março, 2023

Até sempre avó Mila

            

A minha avó morreu ontem no conforto do seu lar. Em paz. Morreu no dia de renascimento da Primavera, um dia de luz e alegria, como tanto gostava.

Foram 4 dias de um sono profundo, tranquilo, até ontem. O dia da sua partida. Em paz.

A sua família, todos os que amava, junto a si.

Houveram silêncios, lágrimas e risos ao redor da cama. Pelo amor e respeito, pela saudade e amizade, pelas histórias e recordações. Desde os filhos até aos pequenos bisnetos, todos ao seu jeito, se despediram.

Deveria ser sempre assim, em qualquer lar. Mas nem sempre é, ou atrevo-me a pensar que poucas vezes será, num panorama nacional.

A minha avó durante estes longos e difíceis meses, teve o apoio de uma equipa de suporte em cuidados paliativos. Esclareceram dúvidas, quer por telefone, quer presencialmente, conversaram, aconselharam, ajustaram a medicação para um maior conforto, falaram sobre o que é sempre complexo de abordar, porque cada um tem a sua perceção e filosofia de vida. (Como trabalho também neste contexto, por vezes dou por mim a pensar que palavras escolher com aquela família, para abordar o assunto morte).

Também ouviram e guardaram as suas histórias e conselhos de mulher sábia e solidária.

A minha avó entrou no sono profundo numa quinta-feira. A equipa de cuidados paliativos já lá tinha estado antes, numa fase em que ainda se alimentava, apesar de muito pouco ou quase nada. Pela sua ultra-resistência e por já ter passado por vários momentos semelhantes, não se antevia, nesse momento, o fim tão próximo.

As últimas noites tinham sido muito pesadas para a minha avó e para o meu tio, que com ela morava.

Na sexta-feira eu a minha prima, ambos profissionais de saúde, fomos comunicando a toda a família que a morte da nossa avó estava para breve. Pensei que fosse uma questão de horas, mas foram 4 dias.

A minha irmã sai de Tenerife, uma outra prima de Viseu, o primeiro bisneto do Porto. Rapidamente todos estavam por perto. 

Era o momento de pensar no plano para minimizar qualquer sofrimento, quer da minha avó, quer de toda a minha família, pois estávamos a entrar no fim-de-semana e sem a equipa de suporte. Eram quase 17h, sexta-feira, hora de encerramento do serviço da Equipa de suporte em cuidados paliativos, até segunda-feira.

Mas tinha de lhes telefonar. Tinha a sorte de ser enfermeiro, a sorte de pertencer à mesma instituição, a sorte de sermos parceiros em trabalho, a sorte de ter alguns dos seus contactos pessoais, a sorte de ter algumas relações de amizade. Mas nem todos podem, nem todos têm.

Aí, tive uma ajuda fundamental e decisiva.

Ela não teria de o fazer, pois estava na sua mais que merecida pausa, mas fê-lo, por amizade e mesmo que não fosse por amizade, não tenho dúvidas que o faria e a quem quer que fosse.

E não tenho dúvidas que qualquer um dos elementos desta equipa o faria, porque neles reconheço um sentido humanitário mais além. Esse é o principal requisito para o objetivo que se pretende atingir nestas equipas.

Durante todo o fim-de-semana, de manhã até à noite, estivemos em contacto. Por vezes nem era eu que tomava a iniciativa. E só assim conseguimos garantir esse ambiente de confraternização e paz.

E por isso o meu eterno reconhecimento e agradecimento. A todos e a ela em especial. E o agradecimento da minha família que tanto os elogiaram.

E quis o destino que fosse como escrevi com 10 anos de idade, nessa composição – “Irei acalmá-la em qualquer problema que ela tiver”, pois com esta ajuda, coloquei na minha avó o dispositivo que profundiu a medicação necessária para que tivesse em paz, para que partisse em paz.

Com isto pretendo chegar a um único ponto: Alargar com urgência, o suporte em cuidados paliativos, a todo o utente do SNS, de forma permanente.

É certo que os serviços autónomos em cuidados paliativos não existiam a 10, 15 anos atrás. Nem quero imaginar, no passado, como se morria em casa ou como não se morria em casa.

Muito evoluímos em cuidados paliativos neste país, nestes anos.

Mas há que evoluir mais.

Deixo o apelo ao Ministro da saúde, ao CEO do SNS e a todas as administrações de ULS deste país para assegurar cuidados paliativos nos sete dias da semana, 24 horas por dia, porque a morte não tem horas de expediente.                     



09 março, 2023

Eu queria um casaco da Ordem

Eu queria um casaco da Ordem. Faço aqui um apelo a Ana Rita Cavaco ou a quem pertença à Ordem, para me satisfazer este desejo. Se já tiverem esgotados, enviem-me por favor um chocolate. Cinquenta mil euros em casacos, prendas e chocolates, deve dar alguma coisinha para mim!

Não pude, nem queria estar nesta Convenção da OE, mas 37.000 eur só em casacos, suponho que não seja só para quem lá foi. Não me parece que lá tenham estado 3000 enfermeiros, isto a 12 eur o casaco, ou então eram casacos da Gucci, que a patroa tanto gosta.

Continuando na melodia de Gabriel o Pensador, cá estou novamente para informar uns e incomodar outros. Não sou o único a questionar o volume e o sentido destes gastos, mas como já referi antes, perpetua-se no tempo um estranho silêncio sobre assuntos delicados, que estão relacionados com a Ordem dos Enfermeiros.

Sobre finanças, questionei em 2021, no Manifesto peladignidade dos enfermeiros, os cerca de 150 000 eur pagos a não enfermeiros, para dois estudos sobre abandono e condições de trabalho. No último post questionei os 400 000 eur gastos em processos judiciais e o 1.200.000 em serviços e assessoria jurídica. Hoje questiono as despesas nessa conta de somar, aí em cima. (fonte base.gov) Sobre finanças, acho que posso garantir que fico por aqui, enough is enough.

Sim, ok, sou persistente, obsessivo até, mas parece-me exagerado.

50.000 em prendinhas, parece-me exagerado. 110.000 em catering, parece-me exagerado. 50.000 em serviços audiovisuais num congresso, parece-me exagerado. 130.000 em marketing, parece-me exagerado e despropositado, com telenovelas ridículas e publicidade vazia à profissão, à mistura.

Também me parece exagerado que a bastonária da Ordem dos Enfermeiros, na sua página de Facebook, envie e passo a citar, “para o caralho”, “quem vem por mal” e publique posts com, e passo a citar: “e se me foderem muito a cabeça”, ou “vai à merda” e comente para aqueles que a processaram e passo a citar: “quero mesmo é que se fodam”. Parece-me exagerado.

Voltando atrás, àquela conta, pois já me estava a perder a consultar todo o lixo traseiro.

Alguém sabe o motivo para 20.000 eur em autocarros? Não?! Eu explico-vos, ou relembro-vos. Recordam-se da grande manifestação de enfermeiros em 2019, em Lisboa, organizada por alguns sindicatos? Recordam-se também, que perante os Estatutos da Ordem dos Enfermeiros, “A Ordem está impedida de exercer ou de participar em atividades de natureza sindical”? É só somar 1+1.

Para terminar, eu não me oponho nada que a Ordem para a qual eu e tu descontam perto de 10 eur/mês, gaste dinheiro em prendas, casacos, chocolates, brindes, autocarros, marketing, catering e etc.

Oponho-me sim, é à forma, volume e motivo.