31 outubro, 2021

Opiniões XII – O que não gosto de ver no enfermeiro


O título inicial deste post era: “Os cromos da enfermagem”, mas como estamos todos muito sensíveis e enfraquecidos e como, de uma forma geral, nesta crise pandémica, merecemos é reconhecimento e respeito, moderei no título. Talvez não seja o momento certo para escrevê-lo, mas por outro lado, tão cedo, talvez também não o venha ser.

Na continuidade da rúbrica “Opiniões” da primeira temporada deste Blog (porquedeixeideserenfermeiro) e, ao contrário do que prometi, voltando um pouco à sua característica corrosão, escrevo, para meu registo e memória, aquilo que não gosto de ver nos enfermeiros. Depois, ficaria o convite, para seres tu a fazê-lo.

É de bom-tom ressalvar que há algumas, digamos, “coisas” que também não gosto de ver em mim, enquanto enfermeiro, enquanto indivíduo. Serei, portanto, por vezes, aos meus olhos e aos olhos de alguns, um cromo também.


Posto isto, aqui vai o que não gosto de ver no enfermeiro:

Quando por diversas e demasiadas vezes pretende intervir ou decidir em campos que não são da sua competência, nomeadamente medicina. Ao fazê-lo, acaba por descurar funções que deveriam ser suas – as de enfermagem, passando uma imagem aos seus colegas, de desprezo por aquilo que é, ou deveria ser, da sua responsabilidade. Há quem os rotule de “frustrados de medicina”. Que não se confunda esta tendência, com o dever de questionar, sugerir e discutir algum assunto médico, com o médico, caso assim se justifique, pelo especial interesse do cliente.

Quando é um lambe-botas. Este é um estilo clássico e transversal. Não haverá muitos, mas ainda os há. Caracteriza-se por ser ambicioso e paciente. Vai bajulando a chefia, assumindo tarefas cada vez mais relevantes e aos poucos vai ganhando poder. Tem a memória demasiadamente curta ao ter atitudes que criticava no passado, esquecendo-se que há pouco tempo estava no outro lado e que rapidamente passa para lá.

Quando é chefe e rodeia-se de lambe-botas. Aquele tipo de chefe que têm dois ou mais assistentes: um braço direito, um braço esquerdo e às vezes um cérebro. As tarefas vão sendo delegadas e repartidas e a equipa questiona-se: “O que é que o(a) chefe faz ao certo?”

Quando persistentemente se lamenta do imenso trabalho, mas que acumula em três sítios.

Quando trata as auxiliares ao nível de quase-escrava. Na pirâmide, os enfermeiros tratam muito pior os assistentes operacionais, do que os médicos tratam os enfermeiros. Aquele que se queixa da arrogância do médico, poderá ser o mesmo que trata com pouca educação e respeito um assistente operacional.

Quando aceita que um enfermeiro, que ainda há pouco tempo chegou a um Serviço e porque tem uma especialidade, já mande.

Quando ainda há pouco tempo chegou a um Serviço e porque tem uma especialidade, manda e pisa colegas que já lá estão há dezenas de anos e que o(a) receberam e integraram no Serviço.

Quando acha que o título de especialista lhe confere superioridade intelectual e técnica em relação aos outros e mesmo até em relação aos mais experientes, considerados peritos por colegas e médicos.

Quando só olha para o seu umbigo. Quer o melhor para si e se esse “melhor” implicar um “pior” para o outro ao lado, pouco importa.

Quando é super amigável pela frente e quando viras costas, corta-te pesado na casaca.

Quando quase te ofende quando vens substituí-lo num posto, por teres demorado uma hora a almoçar, mas que demora frequentemente uma hora e meia a fazê-lo.

Quando se queixa de tudo que está associado à enfermagem (SNS, Ministérios, Sindicatos, Ordem) mas que na altura de tomar a iniciativa para o que quer que seja, fica calado e imóvel.

Quando se acha eticamente um grande profissional e ao mesmo tempo, nas redes sociais, destila ódio e ofensa a colegas seus e outros cidadãos.

E vocês? O que não gostam de ver no enfermeiro?

02 outubro, 2021

Cartão de visita

 


Benvindo peregrino! Sejam todos benvindos, todas as nacionalidades, todas as bandeiras,

De mochila às costas, tanta cor, de tantas maneiras,

Em meditação, ou euforia,

Avistam ao longe Santa Luzia!


Todos os dias, são às dezenas, centenas talvez.

Vêm por Vila Nova de Anha, o destino Compostela.

No canto, o mar que o Lima desfez,

Em frente a sua princesa, como é bela!


Chegou a um dos pontos altos da sua travessia,

Mas não olhe para a sua esquerda, que fica com azia!

E assim termina o poema com ponderação,

Cuidado que vamos falar de prostituição.


A beleza e a vida da peregrinação, contrasta com o degredo que é a vida da prostituição. 

A vossa expressão mudou, certo? Agora já não há rimas, não há espaço para alegorias, já não tem graça, é assunto demasiadamente sério.

Ali, bem à vossa esquerda, depois da curva e escondida deste esplendor, temos um antro de prostituição, como cartão de visita da nossa bela cidade.

No meio dos trilhos, no meio do mato. 

Aos teus olhos, aos meus olhos, aos olhos de centenas de peregrinos que vêm de todos os lados. E mesmo que não viessem, mesmo que não os houvessem.

À direita da curva temos uma escola, no meio uma extensa zona residencial e um pouca acima um Centro de Saúde, mesmo que não os houvessem. 

É esta a imagem que queremos para as nossas crianças? Para os vianenses, para os darquenses?

O assunto prostituição é assunto inconveniente, assunto tabu, que todos, mas todos mesmo, empurram para a frente com a barriga. Responsáveis? Os responsáveis vão desde o Governo, passando pelo poder autárquico, local, judicial e terminando em mim e em ti.

E por que é que este assunto é lançado por um enfermeiro, num painel de enfermagem? Porque é um grave problema de saúde pública, ao qual os enfermeiros não podem ficar indiferentes.

Dizem-me que já se tomaram medidas, já se procurou intervir junto das prostitutas, mas que é muito difícil ou até impossível uma mudança. Acredito que sim. 

A prostituição provavelmente nunca será eliminada, até porque não é ilegal no nosso país.

Mas poderemos trabalhar para mudar esta imagem, esta promiscuidade, este cenário degradante.

Será fácil? Evidente que não. Será rápido? Talvez não. 

Como começar? 

Por pensar, debater e alterar a legislação neste país. 


PS - Após a publicação deste post e por feliz coincidência (mas foi mesmo coincidência, porque este post ainda não foi partilhado em rede social e por isso teve pouca visibilidade), o mato começou a ser limpo. Alguns hectares, que tinham muitas árvores e tojo, foram deixados a descoberto, dissipando assim as trevas da prostituição naquele local. É de louvar certamente. O problema foi atenuado, mas não resolvido, porque mantêm-se prostitutas na estrada perpendicular, na conhecida "recta de Anha", uns metros à frente.  

A febre do Vice-Almirante



Há um sketch muito conhecido do Gato Fedorento que, com algum arranjo da minha parte, termina mais ou menos desta forma: 

Ohhh meu general... Continência e tal, sim senhor, mas não me venham com fitas... eu também tive na guerra.


Foi este momento emblemáticos da autoria de RAP e seus colegas que me veio à memória, quando assisto a esta febre em torno do vice-Almirante, nas redes sociais e nos meios de comunicação social.


Atenção!

Aplaudo este militar que, sem dúvida assumiu e liderou uma missão complexa, num dos momentos mais críticos para o país e para o mundo.

Aplaudo este militar pelo seu discurso claro, conciso e objetivo.

Aplaudo este militar porque sem qualquer tipo de receio, enfrentou na rua, as dezenas de negacionistas esquizolunáticos. 


Mas...

Vamos com calma.

Não entremos em euforias, nem deixemos para segundo, terceiro ou nenhum plano, aqueles que efetivamente estiveram no terreno, iniciaram, desenvolveram e concluíram esta hercúlea tarefa de vacinação em massa - Os enfermeiros.


Foram os enfermeiros que estiveram em conjunto com as autarquias na liderança da organização do centros de vacinação.

Foram os enfermeiros que reestruturaram os seus serviços de base.

Foram os enfermeiros que se organizaram para garantir uma vacinação em tempo recorde durante cerca de 12 horas ao longo do dia, ao longo de quase todos os dias da semana, ao longo de vários meses.

Foram os enfermeiros que contactaram os utentes para os agendamentos de vacinação e lidaram com as inúmeras dúvidas, frustações, negações e hesitações das pessoas.

Foram os enfermeiros que efetuaram a inoculação e os respetivos ensinos inerentes à população, numa tarefa repetitiva e por isso desgastante.

E acima de tudo, foram os enfermeiros que mais uma vez estiveram expostos ao grande risco de contrair o maldito vírus.


O Sr Vice-Almirante, cumpriu a sua missão, assim como eu considero que o primeiro coordenador da task-force cumpriria, se tivesse o contexto que o primeiro teve.


A perceção com que eu fico é que o Dr. Francisco Ramos não teve o mesmo apoio e proteção incondicional do Governo, nem teve as vacinas em numero capaz.


Por isso, não pedimos palmas à varanda, pedimos apenas o mesmo reconhecimento. 

E quanto ao Governo, pedimos apenas (já andamos a pedir muito antes da pandemia, não é por ser agora) que de uma vez por todas ouçam os apelos dos enfermeiros e dos sindicatos e cumpram a revisão de uma carreira de uma forma justa.