02 julho, 2023

Condução sem limite



A legislação diz-nos que não há limite de idade para parar de conduzir veículos motorizados. Basta ter capacidade física e mental para continuar.
Se por um lado, é inclusivo e todos nós gostaríamos de chegar aos 80 e 90, sem que a lei nos pudesse colocar um travão num veiculo para a nossa autonomia, por outro lado é no mínimo discutível, porque parece-me que há capacidades que se perdem ou atenuam, para uma condução segura, a qualquer veiculo motorizado.
Esta reflexão vem a propósito do episódio surreal que vivi há dias.Seguia de carro, por um caminho rural, de saída da casa dos meus pais.
Nas aldeias é muito frequente haverem estradas ou caminhos muito estreitos e sinuosos, o que confere um aumento significativo de perigosidade.
De repente vejo no meio da estrada um casal de idosos a deambular com muita dificuldade e hesitação.
Parámos e perguntei se precisavam de ajuda. Ambos estavam ensanguentados devido a, aparentemente, várias escoriações. Ele, enfraquecido e trémulo, ainda estava com o capacete na cabeça. Ela, titubeante e confusa. 
Olho em redor a tentar perceber o estranho cenário que assistia . Encosto o carro e vejo mais além uma moto 4 gigante tombada e outro capacete afastado.
Faço varias perguntas ao senhor, para tentar perceber as circunstâncias do acidente. 
A senhora tinha doença de Alzheimer, ambos perto dos 85 anos, não especificou bem. Vinham de Ponte de Lima a caminho de Cerveira. Terá se despistado, segundo referiu, devido a um buraco na estrada.
Entretanto tinham parado outras pessoas para também ajudar. Insistia para que lhe puséssemos a moto 4 direita, para ir embora, juntamente com a esposa. Dizia que limpava as feridas em casa, que os dois estavam bem e que a esposa já tinha aquele comportamento estranho pela doença de Alzheimer. 
Expliquei lhe várias vezes que não poderia abandonar o local na mota, que não estavam em condições para sair e que teríamos que esperar por ajuda que já tinha sido acionada . 
Repetia o seu discurso e estava nitidamente com uma perda de noção daquilo que é razoável. Questionei se tinha bebido álcool. Respondeu que não bebia e acreditei. É certo que tinha acabado de passar por uma situação de extremo stress e seria legítimo estar com um comportamento a tender para o desadequado, mas tudo aquilo deixou todos os presentes apreensivos - interrogávamo-nos o que fazia uma pessoa de idade tão avançada, a conduzir uma mota 4 e a esposa com demência no lugar de pendura, numa viagem extensa, por caminhos perigosos?
Se por um lado pensei que havia um certo romance neste quadro, esse borratou quando pensei que, por alguns minutos, poderia ter levado com aquele monstro em cima e tudo ser bem mais grave para eles e para nós.
A ajuda chegou rápido, as vítimas assistidas e seguimos o caminho a refletir sobre o que tinha acontecido.
Aceito e até desejo como referi em cima, que uma pessoa com 90 anos tenha o direito de puder conduzir, porém questiono se é prudente que possa conduzir qualquer veículo.
Para a condução deste tipo de veículos é necessária muita agilidade, destreza e uma boa capacidade de reação. Não me parece, de todo, que este senhor a tivesse.
Como é efetuada a avaliação psicológica? Alguém que leva uma pessoa com demência no lugar de pendura de uma moto 4, terá sentido de responsabilidade e noção dos riscos?
Poderão responder-me que há uma taxa muito maior de feridos e mortos jovens na estrada e que muitos deles também não tiveram sentido de responsabilidade e noção dos riscos. Certo. Mas isso já é outro assunto.



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