15 junho, 2025

Os pequenos Numeiros


A Pilar fez um trabalho sobre feminismo. A Pilar anda no 7.º ano e é a mais nova das minhas duas filhinhas adolescentes. Ser pai de meninas é árduo. Sermos pais de meninas é extraordinário (assim como seria de meninos), mas tem-se revestido por uma dura complexidade.

Tenho uma irmã um pouco mais velha que eu. Tenho algumas memórias sobre as dificuldades que passou na fase de adolescência e que diziam respeito à sua imagem, às mudanças no seu corpo, ao seu papel e afirmação perante si e perante os outros, perante os amigos e família, no fundo ao seu crescimento enquanto mulher.

Ela confirma que foi difícil. Eu defendo que ao dia de hoje, para as nossas filhas, para as tuas filhas adolescentes, será muito mais difícil.

A Pilar defendeu a sua tese na sala de aula da disciplina de Português, em frente aos seus colegas de turma. Como não vivemos no tempo para onde muitos gostariam de voltar (mais precisamente 22,56%+0,15% dos votantes nestas últimas legislativas), estava em frente a rapazes e raparigas.

Falou de Ellen DeGeneres e Malala Yousafzai, duas referências mundiais pela defesa dos direitos da mulher e depois de outras abordagens, iniciou-se a discussão do tema, o que lhe causou muito stress e revolta.

Chegou a casa indignada e contou o que se passou.

Alguns rapazes tinham posto em causa os direitos das mulheres. Defendiam o “antigamente”, com o homem como chefe de família, maior responsável pelos encargos familiares e a mulher, cuidadora da casa e dos filhos e que as raparigas tinham de ter também moderação na forma como se vestem. Idolatravam os influencers Numeiro e André Ventura como modelos ideológicos. Para quem não conhece o que é que as duas personagens têm a ver com este assunto, façam lá uma pesquisa.

E não… para quem pense que estavam a tentar ser engraçados, não estavam a tentar ser engraçados.

Para tentarmos perceber um pouco de onde vêm estes rapazes, pelo menos um deles era um palerma esperto, com boas notas, filho de “gente de bem” e pelo menos outro deles era um palerma burro, com más notas, filho de “gente não tão de bem”. Atenção que não sou eu que o digo, é a Pilar. Ao longo do ano fui tendo descrições pormenorizadas destes rapazes perturbados e distorcidos, normalmente associadas a agressividade e estupidez para com as raparigas e por isso posso traçar estas caracterizações.

No tempo da adolescência da minha irmã será que este fenómeno misógino e machista acontecia em rapazes tão novos? Possivelmente, mas decerto não tão escancarado.

Hoje em dia o poder da internet é altamente forte, quer para o bem, quer para o mal, mas torna-se maior, mais incisivo e influenciável para o mal.

É muito mais fácil e instantâneo ver nas redes sociais uma imagem do palerma do Numeiro no seu Lamborghini personalizado com as cores e logotipo do CHEGA, do que ver a última intervenção humanitária da Malala.

É muito mais fácil e instantâneo aceder a pornografia na internet, do que aceder à história da luta das mulheres pela igualdade de género.

E é também por isto que cada vez se discute mais o acesso a determinados conteúdos por parte de crianças e adolescentes e a partir de que idade é viável aceder a redes sociais. O problema é que há anos se anda a discutir e não se tomam medidas concretas de proteção.

Mas o problema não passa apenas por aí como sabemos.

Cá em casa, nós enquanto pais de meninas, temos um desafio muito maior do que vocês, pais de meninos. Vocês apenas têm de tentar passar uma mensagem simples e que passa mais ou menos por – tu tens os mesmos direitos e deveres que uma menina e caso trates mal e desrespeites uma menina, é porque não prestas e és um covarde. Nós, por muita vontade que tenhamos em dizer – Se um menino te tratar mal, manda-lhe um pontapé nos tomates e depois uma joelhada na boca, temos de tentar explicar-lhes que devem contrapor essas ideias retrógradas, machistas, misóginas e humilhantes, com argumentos irrefutáveis. Mas não é fácil, nem em três séculos ainda se conseguiu! É quase o mesmo do que eu tentar convencer um votante no chega, que o mesmo representa quase tudo de mal que possa haver na política.

Mas o que é que isto tem a ver com enfermagem, perguntam vocês.

Além de medidas políticas e familiares, a escola tem um papel fundamental. E não passa apenas pela intervenção do professor de português ou de educação física. Passa também pela saúde escolar. Sei que os programas são curtos, mas talvez seja fácil e rápido abordar esta problemática de uma outra perspectiva, a de alguém que estudou saúde infantil e mental. E talvez os meninos e as meninas escutem o enfermeiro de uma forma mais ativa, do que o professor que os atura o ano inteiro.

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