A Pilar fez um trabalho sobre feminismo. A Pilar anda no 7.º ano e é a mais nova das minhas duas filhinhas adolescentes. Ser pai de meninas é árduo. Sermos pais de meninas é extraordinário (assim como seria de meninos), mas tem-se revestido por uma dura complexidade.
Tenho uma irmã um pouco mais velha que eu. Tenho algumas
memórias sobre as dificuldades que passou na fase de adolescência e que diziam
respeito à sua imagem, às mudanças no seu corpo, ao seu papel e afirmação
perante si e perante os outros, perante os amigos e família, no fundo ao seu
crescimento enquanto mulher.
Ela confirma que foi difícil. Eu defendo que ao dia de hoje,
para as nossas filhas, para as tuas filhas adolescentes, será muito mais
difícil.
A Pilar defendeu a sua tese na sala de aula da disciplina de
Português, em frente aos seus colegas de turma. Como não vivemos no tempo para
onde muitos gostariam de voltar (mais precisamente 22,56%+0,15% dos votantes
nestas últimas legislativas), estava em frente a rapazes e raparigas.
Falou de Ellen DeGeneres e Malala Yousafzai, duas
referências mundiais pela defesa dos direitos da mulher e depois de outras
abordagens, iniciou-se a discussão do tema, o que lhe causou muito stress e
revolta.
Chegou a casa indignada e contou o que se passou.
Alguns rapazes tinham posto em causa os direitos das mulheres. Defendiam o “antigamente”, com o homem como chefe
de família, maior responsável pelos encargos familiares e a mulher, cuidadora
da casa e dos filhos e que as raparigas tinham de ter também moderação
na forma como se vestem. Idolatravam os influencers Numeiro e André
Ventura como modelos ideológicos. Para quem não conhece o que é que as duas
personagens têm a ver com este assunto, façam lá uma pesquisa.
E não… para quem pense que estavam a tentar ser engraçados,
não estavam a tentar ser engraçados.
Para tentarmos perceber um pouco de onde vêm estes rapazes,
pelo menos um deles era um palerma esperto, com boas notas, filho de “gente de
bem” e pelo menos outro deles era um palerma burro, com más notas, filho de “gente
não tão de bem”. Atenção que não sou eu que o digo, é a Pilar. Ao longo do ano fui
tendo descrições pormenorizadas destes rapazes perturbados e distorcidos,
normalmente associadas a agressividade e estupidez para com as raparigas e por
isso posso traçar estas caracterizações.
No tempo da adolescência da minha irmã será que este
fenómeno misógino e machista acontecia em rapazes tão novos? Possivelmente, mas decerto não tão
escancarado.
Hoje em dia o poder da internet é altamente forte, quer para
o bem, quer para o mal, mas torna-se maior, mais incisivo e influenciável para
o mal.
É muito mais fácil e instantâneo ver nas redes sociais uma imagem
do palerma do Numeiro no seu Lamborghini personalizado com as cores e logotipo
do CHEGA, do que ver a última intervenção humanitária da Malala.
É muito mais fácil e instantâneo aceder a pornografia na
internet, do que aceder à história da luta das mulheres pela igualdade de género.
E é também por isto que cada vez se discute mais o acesso a
determinados conteúdos por parte de crianças e adolescentes e a partir de que
idade é viável aceder a redes sociais. O problema é que há anos se anda a
discutir e não se tomam medidas concretas de proteção.
Mas o problema não passa apenas por aí como sabemos.
Cá em casa, nós enquanto pais de meninas, temos um desafio
muito maior do que vocês, pais de meninos. Vocês apenas têm de tentar passar
uma mensagem simples e que passa mais ou menos por – tu tens os mesmos direitos
e deveres que uma menina e caso trates mal e desrespeites uma menina, é porque
não prestas e és um covarde. Nós, por muita vontade que tenhamos em dizer – Se
um menino te tratar mal, manda-lhe um pontapé nos tomates e depois uma joelhada
na boca, temos de tentar explicar-lhes que devem contrapor essas ideias
retrógradas, machistas, misóginas e humilhantes, com argumentos irrefutáveis.
Mas não é fácil, nem em três séculos ainda se conseguiu! É quase o mesmo do que
eu tentar convencer um votante no chega, que o mesmo representa quase tudo de
mal que possa haver na política.
Mas o que é que isto tem a ver com enfermagem, perguntam
vocês.
Além de medidas políticas e familiares, a escola tem um
papel fundamental. E não passa apenas pela intervenção do professor de
português ou de educação física. Passa também pela saúde escolar. Sei que os
programas são curtos, mas talvez seja fácil e rápido abordar esta problemática
de uma outra perspectiva, a de alguém que estudou saúde infantil e
mental. E talvez os meninos e as meninas escutem o enfermeiro de uma forma mais
ativa, do que o professor que os atura o ano inteiro.
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