19 agosto, 2024

Toda a verdade sobre o meu caso com a Ordem



Nota prévia: Este post é uma retrospetiva das minhas vivências dos últimos meses/anos, relacionadas com o Blog e com a Ordem dos Enfermeiros. São reflexões que gostaria que ficassem registadas.

Aliás, esse é o propósito principal de todo o Blog – há coisas que não quero esquecidas com o tempo. Tenho alguma obsessão com isso.

Quando se fala do passado da Ordem, é incontornável que, não só mas também, se fale da sua ex-bastonária. Quem, de alguma forma acompanhou o blog, sabe que sempre fui um acérrimo crítico da sua postura, durante os seus mandatos, enquanto figura pública - Bastonária.

Ao terminar este post, soube, por uma casualidade, do seu problema de saúde. Desconhecia que passou por momentos muito difíceis e espero, como é óbvio, que os ultrapasse o mais rápido possível, que tenha saúde e que seja feliz.

Depois, perante essa má notícia, pensei em abortar esta minha reflexão, mas não faria sentido. Assuntos profissionais estão num lado, assuntos pessoais estão no oposto e apenas o menciono porque foi tornado público, num programa de TV.

O meu mandamento é – desde que haja respeito e não se minta, tudo se pode escrever. Todo o meu sentimento em relação àquilo que foi o seu trajeto enquanto bastonária, já é do seu conhecimento e o que escrevo não lhe é novidade.


                                             *****

Em 2008 quando iniciei o “Porque deixei de ser enfermeiro” comecei a escrever sobre reflexões de coisas ligadas ao meu trabalho de enfermeiro. Umas mais sérias, outras mais inusitadas, abordava os problemas do dia a dia, as amarguras, as boas e más experiências, além de outros assuntos relacionados com a saúde, lutas sindicais, etc.

E assim continuou até aos dias de hoje de uma forma mais ou menos regular e continuará, embora que mais intermitente.

Esta intermitência deve-se a 3 fatores:

1. Aos condicionalismos por ter deixado de ser anónimo. Uma coisa é ser-se anónimo e mesmo não descurando a subtileza e respeito, poder escrever disparates sem grandes filtros, outra coisa é saber-se quem sou, o que invariavelmente adensa os filtros.

2. Ao vazio de ideias e à preguiça. Não sou escritor, não tenho pressão editorial, logo havia e há indisciplina. Tive vaidade e gosto por manter uma página vibrante, ativa  e visitada, mas o desleixo piora sempre tudo.

3. À Ordem dos Enfermeiros. Não a instituição, mas a algumas pessoas que lá estiveram, estão e continuarão a estar. É sobre este fator que me debruçarei, desejo imensamente, pela última vez.


Há uns atrás, durante o mandato de Ana Rita Cavaco, comecei a assistir a alguns episódios que, a meu ver, não eram normais e/ou corretos. Muitos partilhavam esta opinião e muitos outros diziam que a senhora era irreverente, “fora da caixa”, e de que era disso que a enfermagem precisava, para avançarmos.

Vamos a ver e no final dos 2 mandatos, com permanente interferência sindical, jogo politico-mediático e pressão negativa no Ministério da Saúde, em números redondos conseguiu ZERO para a carreira, para a evolução da profissão.

Reconheço que se terá aplicado, mas essa foi a realidade.

A minha convicção foi que esse contexto, essa postura, foi prejudicial para o avanço do que quer que fosse e que o pouco que se foi tendo, foi pela ação direta dos sindicatos.

Não tenho dúvidas que o PS de Costa, Adalberto e Marta não nutriam qualquer empatia pela figura da Bastonária PSD da Ordem dos Enfermeiros, o que constituía uma peça na parca engrenagem.

Adorada e mesmo venerada por muitas e muitos, eu (e muitos outros) apenas achávamos a sua conduta inapropriada e legalmente questionável.

Incomodavam-me as notícias na comunicação social e a malcriadez nas redes sociais. Incomodavam-me os infindáveis processos nos tribunais. Incomodava-me a arrogância, os estranhos e excessivos gastos, o jogo político, etc.

A dado momento os meus posts eram centrados nessa exposição, crítica e repúdio. E assim foi durante muito tempo. Estava intensamente incomodado e revoltado e cada dia aumentava mais esse sentimento, ao ponto de ter lançado um Manifesto pela dignidade dos enfermeiros (link) onde publicamente criticava o que considerava anormal na postura da Bastonária. Houve inclusivamente um abaixo-assinado de apoio ao documento, sendo o Manifesto subscrito por centenas de enfermeiros. Pagava (e pago) quotas, sou membro, logo tinha o direito de pronúncia. Não me revia em nada daquilo, queria uma representação digna, digníssima.

Apesar de muitos também a desprezarem, sentia-me um pouco solitário naquela luta, questionava-me por que razão não havia mais impacto, afinal de contas tudo aquilo era demasiadamente mau. Fui ineficaz na divulgação, no conteúdo? Haveria desvalorização dos enfermeiros? Indiferença? Ignorância? Medo? Os admiradores perderiam a noção do certo e errado, da decência e indecência? Do respeito e desrespeito?

Tudo aquilo mexeu alguma coisa com a senhora, mexeu na Ordem. Nos corredores, soube de fonte interna, falava-se de um processo disciplinar contra mim. Em casa, a minha mulher abria-me os olhos quando me disse que estava a ficar obcecado por ela. E estava de facto. A indignação e revolta por ver a figura a liderar a Ordem dos Enfermeiros era tanta, que estava a comprometer seriamente a minha sanidade mental.

Numa altura em que a comitiva da Ordem, sem a bastonária, veio em peso a Viana para um evento qualquer, avistaram-me por acaso num bar à noite e todos (sim, eram todos homens) me fitavam, apontavam e sorriam sarcasticamente, ao ponto de quem estava comigo me perguntar o que se estava a passar. É certo que se terão questionado – É aquele o artista que nos anda a incomodar? Lembro-me de idealizar um cenário agressivo, chamando-os um a um. Estava com cólera acumulada. Mas não posso ser assim, não quero ser assim. Era altura de largar o osso.

As ameaças de um processo estavam também a afetar-me. Não andava a trabalhar para pagar 1 cêntimo que fosse para defesa em tribunal de algo associado à Ordem. Era uma luta desigual. A Ordem dos Enfermeiros de Ana Rita Cavaco durante os dois mandatos esbanjou milhares e milhares de euros das nossas quotas em advogados e vários processos judiciais, em defesa e acusação, eu para me defender teria de pagar do meu bolso. Era altura de pôr um travão.

Sobre processos haveria muito a falar. Quem pagou a defesa do processo de sindicância, onde recentemente a ex-bastonária e mais não sei quem, foram considerados culpados? Possivelmente saíram a rir, pois a multa foi cómica, mas não deixam de ser culpados! Quem paga a defesa de um processo que se arrasta há anos, em que a ex-bastonária e vários elementos da Ordem estão implicados, por suspeita de peculato e falsificação de documentos com "despesas de almoços e jantares nos dias em que declarou deslocações que não fez". "Nos dias em que apresentava para pagamento deslocações para fora de Lisboa apresentava, em simultâneo, despesas de refeições tituladas por faturas emitidas por diferentes restaurantes localizados em Lisboa". Era tipo comer em Lisboa, mas afinal estavam em Bragança, ou viajei para Leiria, mas afinal estou em Lisboa.

Era então tempo de parar, mas não desistir. A energia que a minha revolta gerava deveria ser recanalizada. Mais ou menos nessa fase de descrença, aceitei o convite de pertencer ao projeto de candidatura do Mário André Macedo – Enfermeiros Unidos. Estava empolgado. Com muitas dificuldades, avanços e recuos, construímos uma equipa incrível, de colegas com trajetos profissionais ímpares, de todas as áreas da enfermagem: da prática à docência, passando pela investigação e gestão. Muitos recusaram o convite, mas apoiavam e votariam na candidatura e uma grande fatia desses dizia mesmo, que o motivo da recusa, era porque tinham receio de represálias por parte da Ordem de ARC, só para se ter uma noção do clima de pressão que existia. E será que ainda existe?

Como referi houve recuos nesta candidatura e é isto que também me desilude na enfermagem - a falta de clarividência, determinação e união.  Num momento em que o Movimento Enfermeiros Unidos já não era desconhecido e se afigurava a opção mais consistente para quem discordava da estratégia da Ordem de ARC, surgem alguns rumores de outras iniciativas de candidatura. Até aí tudo bem, mas quando se procura unir forças para derrubar um “reinado” forte e até se conclui que os projetos são semelhantes, havendo lugar para todas e todos, os egos e a sede de poder falam mais alto. E então o desgaste e a incerteza instalam-se, os projetos enfraquecem o tempo passa e o tempo é ainda mais precioso nestes processos.

Mesmo assim, o Movimento Enfermeiros Unidos cresceu, cresceu tanto que já havia muito nervosismo do lado adversário, com comentários infelizes e provocadores, principalmente do principal rosto da Ordem, famosa por incendiar as redes sociais.

Avançou-se com a candidatura, foi entregue nas instalações da Ordem dentro do prazo legal e a partir daqui inicia-se uma sequência daquilo que muitos consideram um atentado à democracia.

1. Entregamos a maior candidatura de sempre, com quatro vezes mais assinaturas do que as requeridas e o regulamento eleitoral estipula que o candidato seja notificado sobre a elegibilidade das listas, no prazo de 10 dias úteis. Pois passaram mais de 15 dias e não houve nenhuma notificação, mesmo após serem questionados, o que revela uma total desconsideração.

2. De seguida, sem (novamente) sermos notificados, emitem um comunicado que nos exclui das eleições e, mantendo a desconsideração, nem sequer mencionam o nome da nossa lista, o nome do Movimento e candidatura. O argumento foi que teríamos entregue a candidatura fora do prazo. Outra irregularidade da comissão eleitoral prende-se com a troca de papeis entre o Presidente da Mesa da Assembleia Geral e o Presidente da Comissão eleitoral.

3. A data final para entrega das listas calhava a um domingo, ora como as instituições públicas estão fechadas ao domingo, o estipulado, segundo a lei, é que a data final transita para o dia útil seguinte, 2.ª feira. A lei é clara e inequívoca  neste aspeto.

4. Mas a vontade da Ordem foi outra e em pleno período eleitoral, com 4 dias de antecedência, decidem "mudar a lei", as regras do jogo, comunicando que as listas teriam que ser entregues na 6.ª feira anterior a esse domingo.

5. Antevendo esta artimanha, fomos mesmo entregar as listas nessa 6.ª feira inventada à pressão. Quem lá foi, garante que estava lá bem antes da hora de fecho (17h) e segundo reza a história, a ex-bastonária por lá perto andava e a administrativa que recebeu o processo tinha alguma dificuldade de processamento, se é que me estão a entender. O que é certo é que as portas da Ordem estavam abertas e que houve um comprovativo de entrega.

6. Com toda a vagareza forçada, o procedimento foi processado uns minutos depois das 17h, resultado: excluídos! Milhares de horas de trabalho de largas dezenas de enfermeiros esfumadas numa questão de minutos e malabarismos.

7. Rapidamente e com efusividade, se comunica a todos os enfermeiros, que há uma lista única de candidatura a bastonário. Ao mesmo tempo, a digníssima ex-bastonária dispara nas redes sociais a seguinte vil provocação: “Anda por aí um grupo que se intitula de qualquer coisa unidos. A única coisa onde estão unidos é no ódio.” A interpretação fica ao critério de cada um, guardando para mim a minha, para não descer abaixo do seu nível.

8. Grande parte dos enfermeiros do Movimento vêem-se no dever democrático de contribuir monetariamente para avançarmos para tribunal. Após uma longa espera e centenas de páginas de adendas que a Ordem acrescenta ao processo para o empatar e inviabilizar recurso, a juíza considera que a nossa contestação à inviabilização da candidatura era legítima e merecia defesa e discussão, porém por um “pormenor técnico” perdemos a nossa causa.

9. O “pormenor técnico” era no mínimo surreal. E porquê? A juíza alegava que não havia prova que o enfermeiro que assinava a entrega das listas, pertencia ao Movimento Enfermeiros Unidos. Ora este Movimento era livre, espontâneo e informal, quem quisesse pertencia-lhe e não havia cargos, havia apenas debate de ideias e trabalho para depois se construir uma futura equipa que assumisse a Ordem. Mesmo que isso não chegasse, bastaria pedir os dossiers eleitorais e constataria que lá estava o termo de aceitação do enfermeiro que assina o processo.

10. A conclusão que fizemos é que a justiça quando não quer decidir, esquiva-se. Eu vou mais longe nas conclusões, neste caso em particular, na minha opinião, a justiça protegeu o forte e desvalorizou o fraco. Se já era um pessimista descrente em relação à justiça em Portugal, pior fiquei.

11. Foi uma desilusão para todos os que contribuíram na construção desse projeto e para todos os que o acompanhavam por fora e que já tinham manifestado o seu apoio com a intenção de voto na nossa lista.

12. O processo eleitoral prosseguiu com a lista única desejada. Todos conhecem esta lista, os nomes mantêm-se, rodam umas cadeiras, o vice passa a presidente e surgem umas caras novas. O resultado foi um desastre eleitoral, mas não seria único. Abstenção nos 80% e um número imenso de votos em branco e nulos.

13. O atentado democrático não por aqui ficaria. Passados meses, a propósito das eleições intercalares para eleger o conselho de supervisão e o conselho nacional de enfermeiros, convocam uma Assembleia geral com 48 h de antecedência (prática não inédita), aprovam o regulamento eleitoral e convocam eleições, com apenas uma semana dada para as listas serem apresentadas. O resultado foi novamente lista única e mais um desastre eleitoral com 93% de abstenção e dos votantes, cerca de 25%, votaram nulo ou em branco.


Tudo isto tornou-se um deja vu para mim. Não estava a acreditar que voltava a acontecer o mesmo outra vez. Quatro anos antes, pertencia à equipa da candidatura do Gonçalo Cabral a Bastonário e tivemos a nossa candidatura anulada, porque a poucos dias da entrega das listas, a Ordem lembra-se de aplicar a lei da paridade e dessa forma já não tivemos tempo para uma reorganização e novas assinaturas dos elementos candidatos. Todo o trabalho teve que se repetir numa questão de pouquíssimos dias e logo imaginam o que acontece quando se fazem as coisas à pressa.

Por tudo isto afastei-me do blog. Tinha de atenuar a minha revolta e frustração. Tinha de desanuviar e desligar de modo radical. E assim foi.

As duas experiências de candidatura neste espaço temporal de 4 anos, apesar de infrutíferas pelo que referi, nunca as retiraria do meu percurso, porque muito aprendi e acima de tudo conectei-me (não virtualmente) com colegas incríveis, que trariam (e irão trazer) evolução para a enfermagem em Portugal.

Agora estou sereno, com a consciência purificada. Habitualmente critica-se, sem mexer um dedo para mudar, eu procurei fazer tudo ao meu alcance para contribuir na mudança de algo que durante muito tempo critiquei.

06 junho, 2024

O caso da Triagem no Hospital de Viana - o outro lado da moeda


Há 1 ano que cá não vinha. Por variadíssimas razões que talvez um dia as enumere.

Hoje regresso porque o tema seguinte não me sai da cabeça:

Há cerca de 2 semanas morreu um homem com um Enfarte Agudo do Miocádio, no Serviço de Urgência do Hospital Santa Luzia - Viana do Castelo. Tinha sido triado com pulseira verde (tempo máximo de espera - 2 horas) e após cerca de 3 ou 4 horas de espera (as noticias divergem neste ponto)  na Sala de Espera, é levado para a Sala de Emergência, acabando por falecer após algumas horas de tentativa de reanimação. (Consultar a noticia para outros pormenores no link)

E não me sai da cabeça porquê?

Porque aconteceu no meu Hospital, da minha cidade. Porque fiz parte daquela equipa de enfermagem e porque, de alguma forma, quem trabalhou na equipa de enfermagem deste Serviço de Urgência, continuará a pertencer-lhe, pelas experiências, pelas relações, pelas aprendizagens e pelas amizades.

Porque, de alguma forma, senti que o que se passou com a colega que triou este senhor, poderia ter-se passado comigo, durante as milhares de horas de triagem que fiz. 

O que ela sente e vive no presente e que possivelmente a perturbará no futuro, poderia ser o mesmo a qualquer um de nós, enfermeiros que triam e triaram. 

Porque a Triagem de Manchester sempre foi um tema-alvo das minhas reflexões. Foi tema aqui neste Blog (O caso do enfermeiro de Leiria, visto por mim), onde uma situação semelhante a esta aconteceu e varias vezes tema também, no primeiro Blog Porque deixei de ser enfermeiro , (ver etiquetas "Triagem de Manchester" na coluna direita). Revisito essas passagens e reparo que o passado é também actual, os problemas mantêm-se.

E porque reparo, alguma imprecisão e ignorância nas notícias e as mesmas adicionadas à crueldade e injustiça nas redes sociais, principalmente para com a enfermeira.

Em primeiro lugar, como cidadão e como profissional de saúde, devo lamentar esta morte e endereçar sentidas condolências aos familiares. 

Não me parece que haja dúvidas que houve uma falha grave, porém, como é claro, não me pronunciarei aqui sobre esta por vários motivos: existe um processo de inquérito a decorrer, desconheço a realidade dos factos e porque já ouvi mais que uma versão dos acontecimentos. 

E, quando desconheço a realidade dos factos e quando ouço apenas uma ou mais diferentes versões dos acontecimentos, calo-me, para não dizer disparates. O mesmo deveriam fazer os comentadeiros de redes sociais, mas como sabemos, isso é quase impossível, porque pela internet rareia o bom senso e o filtro.

Por conseguinte, o meu único papel aqui é procurar ajudar a desmontar algumas ideias erradas sobre a Triagem de Manchester e não só, ao cidadão comum e porventura a alguns profissionais de saúde.

A Triagem de Manchester é, na minha opinião e na de muitos outros profissionais de saúde, sejam médicos ou enfermeiros, um sistema imperfeito e falível.

O conceito e o método da Triagem de Manchester são bons, diria até ótimos e são os indicados para o contexto de um Serviço de Urgência, porém ao longo destes últimos 20 anos de implementação deste sistema, várias foram as vezes, que em equipa, discutíamos algumas lacunas do sistema. Algo poderia escapar, passar despercebido. 

Tanto assim é, que são frequentes os casos de falhas na Triagem. Uns tornam-se mediáticos pelos contornos de gravidade extrema, mas muitos outros acabam por passar despercebidos.

De uma forma resumida, a Triagem de Manchester é um sistema ultra rápido de atribuição de prioridades, onde o enfermeiro vai colocando ao utente algumas questões simples em torno das queixas que este menciona. O utente poderá não estar capaz de responder e nessa situação, o mais provável é alguém responder por ele.

Mediante as suas respostas e através de uma visualização do utente pelo enfermeiro, vai-se "descartando" cores (das prioridades), parando logo à partida num vermelho (emergente) ou descendo até um azul (não urgente).

Reparem que se trata de uma mera "visualização" rápida. Não é, repito, não é uma observação minuciosa, uma avaliação rigorosa, pois estas apenas poderão ser efetuadas à posteriori, numa sala de observação, sala de tratamentos, consultório médico, sala de Emergência, etc, quer pelo médico e/ou quer pelo enfermeiro. 

Portanto, a ideia de que ali na Triagem se iria "ver o historial" e os antecedentes familiares do senhor, como a sua familiar se questiona em entrevista, é no mínimo muito pouco provável. 

O enfermeiro poderá eventualmente, em bom rigor, no caso de uma queixa evidente e explícita de dor torácica, questionar quais os antecedentes pessoais e familiares do utente para melhorar a informação, porém à partida isso nem irá condicionar a sua decisão, porque basta uma queixa evidente e explicita de dor torácica, para que a pulseira seja urgente ou muito urgente, ou seja, amarela ou laranja, ou seja 60 mnts ou 10 mnts de espera máxima e acima de tudo, perante esta queixa, aciona-se uma Via Verde coronária, onde rapidamente é efetuado um eletrocardiograma e despistado um evento cardíaco.

Agora, terá havido uma queixa evidente e explícita de dor torácica? 

Não sei. O ou os inquéritos apurarão.

Continuando com a definição resumida de Triagem de Manchester:

A escala de dor, a frequência cardíaca, oximetria de pulso, temperatura e glicemia são aqui os únicos parâmetros concretos que nos auxiliam e conduzem para uma prioridade final. E não, a tensão arterial nunca é avaliada na Triagem, como a mesma familiar da vítima equacionou.

E terminando toda a teoria rápida sobre Triagem de Manchester, há um sexto sentido que alguns, em determinadas ocasiões, podem ter. 

O que é que quero dizer com isto? 

Por exemplo, por vezes chegava um utente ao Serviço de Urgência com uma determinada queixa, que pelo algoritmo da Triagem de Manchester, lhe era atribuída uma prioridade pouco urgente, mas por acaso o enfermeiro que estava a triar até era experiente e estava concentrado, não estava exausto e irritável. E até achava que apesar da queixa leve, algo de errado se passava com aquela pessoa. E lá encontrava forma de "adulterar" o sistema de Triagem e atribuía-lhe uma prioridade mais alta ou até era reconhecido pelo médico e pedia-lhe diretamente para que observasse o utente rapidamente. E assim se ajudou a salvar algumas vidas, não tenho dúvidas disso.

Portanto, a ideia de que o enfermeiro não é capaz de triar e melhor fosse o médico, é completamente errada e injusta. 

A competência para "exercer" Triagem de Manchester é validada por um curto curso estruturado mediante diretivas internacionais  e direcionado para médicos e enfermeiros , mas que a quase ou totalidade dos médicos nada quer, nem nunca quis, com ela. 

Não digo que os médicos não seriam capazes de triar, claro que seriam, o que digo é que os enfermeiros são os melhores a interpretar os sinais que o utente nos dá, os verbais, os não verbais, a expressão corporal e facial, além de todos os dados objetivos.

E porquê? Porque além da formação, têm a experiência, pois estão em permanência, 24 sobre 24 horas, à frente do utente, nos internamentos, nas Salas de Observação, etc

As notícias, os testemunhos e os comentários de internet apontam apenas um dedo - para a enfermeira, mas parece a todos escapar um pormenor que poderá ser um pormaior. A enfermeira atribuí um tempo máximo de espera de 2 horas, porém o utente esperou 3 a 4 horas na Sala de Espera, ou seja, possivelmente quase o dobro do expectável. O que significa que, a ter havido falhas, não poderão ser apenas imputadas à enfermeira, mas também ao médico que não chamou o utente dentro do limite de 2 horas ou ao sistema entupido que não permitiu que os médicos chamassem o utente dentro daquele período.

Para terminar a desmontagem de falso conceito de muitas pessoas,  refletido no testemunho da familiar da vítima, ao referir que no momento da reanimação, "vieram médicos de todos os lados", devo dizer que não eram só médicos que vinham de todos os lados.

Vieram médicos e enfermeiros de todos os lados, porque naquela sala estariam médicos e certamente enfermeiros e muito provavelmente estariam mais enfermeiros do que médicos. Não estou a querer afirmar que a quantidade é primordial. Naquela sala, enfermeiros e médicos trabalham num conceito de equipa, mediante a liderança de um médico.

Mas (novamente) a Triagem é imperfeita e falível.

Vejamos: o meu chefe fazia (e provavelmente ainda faz) um tratamento estatístico de todos os resultados dos enfermeiros que triavam. Conseguia saber, por exemplo, num período de um mês, quais os enfermeiros que "davam" mais verdes e os que "davam" mais laranjas. Os resultados eram francamente díspares. 

O que significa isto? Os estatísticos diriam que a triagem não é uma ciência exata, não existe um padrão. O que para mim é um alho, para o outro pode ser um bugalho.

Com tudo isto, não estou a querer ser o advogado da colega, apenas estou a defender o lado da enfermagem. O outro lado da moeda. 

A enfermagem por si, é uma profissão de risco e penosidade elevada o que conduz ao aumento da probabilidade de erro. 

Não sou eu que o digo, são os estudos científicos e não estou a querer dizer que foi isso o que aconteceu, porque, mais uma vez, isto não se trata de "desvendar" erros ou falhas.

Sejam sensatos, sejam justos e acima de tudo sejam solidários.

Abraço de força para a colega!

02 julho, 2023

Condução sem limite



A legislação diz-nos que não há limite de idade para parar de conduzir veículos motorizados. Basta ter capacidade física e mental para continuar.
Se por um lado, é inclusivo e todos nós gostaríamos de chegar aos 80 e 90, sem que a lei nos pudesse colocar um travão num veiculo para a nossa autonomia, por outro lado é no mínimo discutível, porque parece-me que há capacidades que se perdem ou atenuam, para uma condução segura, a qualquer veiculo motorizado.
Esta reflexão vem a propósito do episódio surreal que vivi há dias.Seguia de carro, por um caminho rural, de saída da casa dos meus pais.
Nas aldeias é muito frequente haverem estradas ou caminhos muito estreitos e sinuosos, o que confere um aumento significativo de perigosidade.
De repente vejo no meio da estrada um casal de idosos a deambular com muita dificuldade e hesitação.
Parámos e perguntei se precisavam de ajuda. Ambos estavam ensanguentados devido a, aparentemente, várias escoriações. Ele, enfraquecido e trémulo, ainda estava com o capacete na cabeça. Ela, titubeante e confusa. 
Olho em redor a tentar perceber o estranho cenário que assistia . Encosto o carro e vejo mais além uma moto 4 gigante tombada e outro capacete afastado.
Faço varias perguntas ao senhor, para tentar perceber as circunstâncias do acidente. 
A senhora tinha doença de Alzheimer, ambos perto dos 85 anos, não especificou bem. Vinham de Ponte de Lima a caminho de Cerveira. Terá se despistado, segundo referiu, devido a um buraco na estrada.
Entretanto tinham parado outras pessoas para também ajudar. Insistia para que lhe puséssemos a moto 4 direita, para ir embora, juntamente com a esposa. Dizia que limpava as feridas em casa, que os dois estavam bem e que a esposa já tinha aquele comportamento estranho pela doença de Alzheimer. 
Expliquei lhe várias vezes que não poderia abandonar o local na mota, que não estavam em condições para sair e que teríamos que esperar por ajuda que já tinha sido acionada . 
Repetia o seu discurso e estava nitidamente com uma perda de noção daquilo que é razoável. Questionei se tinha bebido álcool. Respondeu que não bebia e acreditei. É certo que tinha acabado de passar por uma situação de extremo stress e seria legítimo estar com um comportamento a tender para o desadequado, mas tudo aquilo deixou todos os presentes apreensivos - interrogávamo-nos o que fazia uma pessoa de idade tão avançada, a conduzir uma mota 4 e a esposa com demência no lugar de pendura, numa viagem extensa, por caminhos perigosos?
Se por um lado pensei que havia um certo romance neste quadro, esse borratou quando pensei que, por alguns minutos, poderia ter levado com aquele monstro em cima e tudo ser bem mais grave para eles e para nós.
A ajuda chegou rápido, as vítimas assistidas e seguimos o caminho a refletir sobre o que tinha acontecido.
Aceito e até desejo como referi em cima, que uma pessoa com 90 anos tenha o direito de puder conduzir, porém questiono se é prudente que possa conduzir qualquer veículo.
Para a condução deste tipo de veículos é necessária muita agilidade, destreza e uma boa capacidade de reação. Não me parece, de todo, que este senhor a tivesse.
Como é efetuada a avaliação psicológica? Alguém que leva uma pessoa com demência no lugar de pendura de uma moto 4, terá sentido de responsabilidade e noção dos riscos?
Poderão responder-me que há uma taxa muito maior de feridos e mortos jovens na estrada e que muitos deles também não tiveram sentido de responsabilidade e noção dos riscos. Certo. Mas isso já é outro assunto.



24 junho, 2023

Obrigado Teresa Fraga


Há 2 anos atrás recebia uma chamada de uma pessoa que não conhecia.
Não esqueço esse dia. Acredito que represente uma pequena grande peça da mudança que ambos desejámos. 
Não sabia quem eras, mas já nessa altura eras conhecida e reconhecida (talvez não por todos os que deveriam, mas pelos que interessam). 
Já nessa altura eras (e és e serás) uma das enfermeiras mais notáveis no panorama da enfermagem em Portugal.
Só mais tarde soube, quando comecei a acompanhar o Kastelo que construíste.
Uma vénia! A ti, à tua equipa.
Naquela que é provavelmente a área da saúde mais complexa e intensa para todo o espectro mental de quem cuida, demonstrais um empenho, profissionalismo, dedicação e amor desmesurável. 
Só assim seria possível.
Que orgulho para mim, para a enfermagem.
Que orgulho, por ver-te a liderar este nobre serviço, quando lamentavelmente é raríssimo haverem enfermeiros, nesses cargos, nas Instituições ligadas à saúde, em Portugal.
Que orgulho por ver o quão sois fundamentais para aquelas famílias.
Que orgulho por seres a mentora desta equipa, que contigo dá cor, neste filme que já foi tão cinzento, para aquelas famílias. 
Não sou eu que o digo, é a tua equipa. 
Revejo o programa "Dois às 10" da TVI e estremeço novamente. 
Regozijo com os reconhecimentos que te são feitos, mesmo até com o do Marques Mendes, na SIC.
Ninguém poderá ficar indiferente. 
Mas houve quem ficasse. Houve quem ficasse indiferente a todo esse grandioso percurso e ao reconhecimento que justamente te foi dado numa das mais prestigiadas Galas internacionais de mérito em Saúde comunitária. 
Não vou manchar esta expressão de agradecimento, a apontar o dedo. Sabemos quem não nos tolera e procura derrubar.

Quando me ligaste, falámos sobre a enfermagem, sobre o futuro. Desafios e projetos.  Falámos sobre o que nos preocupava e indignava, relativamente à profissão e ao Órgão que a supervisiona.
Numa altura em que tornava público um Manifesto e petição, em oposição àquilo que era a conduta da Ordem dos Enfermeiros e sua bastonária, onde fui alvo dos mais diversos ataques e insultos, foste a única pessoa que manifestou solidariedade e compreensão de uma forma explícita e direta.
Apesar das centenas de assinaturas e várias mensagens de incentivo, quando esperava um apoio e envolvimento mais permanente de vários conhecidos e amigos, recebi-o de uma desconhecida. 
Aí, já percebia outra virtude que se destaca em ti: a coragem! 
Nos últimos anos e hoje ainda, vemos tanto, mas tanto receio nos enfermeiros, que até assusta.
Tantos temem a pronuncia e manifestação da diferença, para medo de represálias e infindáveis processos.
Nós somos o oposto. Ninguém nos pisa, ninguém nos demove das nossas convicções.
Esta conversa ainda não terminou. Está no inicio. Mas vai continuar porque já estamos unidos. 
Obrigado Teresa!


17 abril, 2023

PimBASTONAda!



Enviaram-me o vídeoclip e eu nem estava a perceber bem o que era aquilo, não reparei nos intervenientes.

Na altura, confesso até que fiquei um pouco apreensivo, porque pensei que me estivessem a enviar uma declaração de amor: “Leva-me contigo meu amor!”. E quem me enviava era um homem. Mais apreensivo fiquei.

Depois comecei a aperceber-me de muito movimento na internet, até que fui ver melhor o videoclip. E aí levei uma Pimbastonada ! O queixo caiu-me na mesa e as pestanas colaram-se-me às sobrancelhas, como nos cartoons. Como foi escrito em comentários, naquela que tem sido a paródia geral espalhada por todas as redes sociais, pela reação ao videoclip, “vou dormir de luz acesa”.

Como curiosidade, outro também escreveu: “É vendido ao garrafão? Qual o preço? Não quero”. É só para terem uma pequena amostra e ideia da paródia que circula.

Então depois percebi, que afinal não era uma declaração de amor, mas sim mais uma seta de Cupido, de quem sabe da “paixão” que nutro pela bastonária.

Depois de tantas vezes a criticar, lamento desiludir os seus protetores e fãs, mas desta vez, vou elogiá-la. É mais corajosa e amiga do que eu alguma vez fui.

Corajosa porque… porque é preciso muita coragem para, sendo Ana Rita Cavaco - cidadã ou Ana Rita Cavaco – Bastonária, participar em… digamos, nisto. Saberia certamente que no meio dos elogios, iria ser alvo de crítica, paródia e troça mas, a meu ver, não se incomoda minimamente com isso.

E amiga, porque supostamente fez um grande favor a um amigo. Terá eventualmente poupado umas centenas ao amigo, evitando que o mesmo pague-se cache a uma modelo. Mas aqui já não há certezas, estou na base da especulação. A única certeza que tenho é que eu nunca seria tão amigo assim de quem quer que fosse. Definitivamente que diria “não”, a um convite de um amigo e provavelmente diria “não” também a um convite de uma amiga. Pensaria talvez quatro vezes, caso houvesse cache chorudo, mas eu não sou bastonário, porque nesse caso, seria um “não” definitivo.

Nas redes sociais, deparamo-nos com as mais variadas reações por parte de enfermeiros e não-enfermeiros: alguns desvalorizam, outros elogiam e a maioria critica. Dessa maioria, alguns fazem paródia, outros simplesmente criticam, com uma tomada de posição de indignação ou descrédito. E há ainda os que se insurgem com quem simplesmente critique, sem parodiar ou ofender.

Há algumas questões que gostaria de colocar. Eu vou colocá-las e vou dar a minha resposta. Quem quiser, é bem-vindo a dar a sua.

1. Tem Ana Rita Cavaco – cidadã / Ana Rita Cavaco – Bastonária da Ordem dos Enfermeiros, o direito de participar neste videoclip?

Obviamente que tem.

2. Enquanto participa no videoclip, deixa de ser bastonária e é simplesmente Ana Rita Cavaco, cidadã?

Não. Ana Rita Cavaco será sempre (até ao fim do mandato) associada à função de Bastonária, até porque na divulgação desta notícia, é difundido pelos meios de comunicação social que o “deputado-cantor contracena com Bastonária da Ordem dos Enfermeiros”, não escrevem que o deputado-cantor contracena com a cidadã Ana Rita Cavaco.

3. Sendo Ana Rita Cavaco a maior representante dos enfermeiros e havendo enfermeiros com as mais diversas opiniões, posturas e personalidades que vão do zero ao oitenta, deverá ou não ter alguma moderação com a postura pública?

Sim, deverá. Se para uns, isto é muito giro, a música é uma delícia e Ana Rita Cavaco faz o que entender no seu tempo livre, para outros a música é um vómito, a letra uma comédia trágico-romântica e sentem-se indignados por esta imagem pública da maior representante dos enfermeiros, ou seja, as deles representante.

4. Poderão as pessoas, sendo elas enfermeiros e enfermeiras, ou não, criticar esta postura?

Obviamente que sim.

5. Parodiar?

Sim, evidentemente.

6. Ofender?

Não. E até agora não vi nenhuma ofensa.

7. Poderão os admiradores, fãs ou defensores de Ana Rita Cavaco, atacar e ofender quem a critica?

Não. Mas como são fracos seres, é o que habitualmente fazem e estão a fazê-lo.

O assunto dá azo a tanta paródia que até Ricardo Araújo Pereira dedica alguns minutos a este assunto no seu programa semanal e mais uma vez, a referência é a Bastonária da Ordem dos Enfermeiros, relembrando também o processo em tribunal dos Quilómetros. Portanto, nos últimos tempos (mas não só nos últimos tempos) as associações que se fazem à Bastonária é paródia e tribunais, quando deveria ser soluções para uma evolução na profissão.

Por tudo isso, termino com o seguinte profundo e filosófico poema do cantor-deputado Luis Gomez:

"Somos como somos

E a vida é como é

Se o amor bate à tua porta

Mas não o queres ver"


Como diria alguém no Twitter:
"Mas... como... o que... quem... hein?"

 

 

31 março, 2023

Algum comentário?

Eu bem tento. Juro que faço esforços para parar de "postar" sobre Ana Rita Cavaco, mas perante isto, não é possível. 
De alguma forma, tem que ficar registado. 
Porque normalmente esquecemo-nos e eu não me quero esquecer.

Os comentários? Esses ficam a vosso critério




 



25 março, 2023

Os problemas de assédio moral no Hospital de Viana



Quem estiver mais ou menos atento às notícias, provavelmente já notou que há um problema num determinado serviço do Hospital de Viana.

Como sempre fiz ao longo de vários anos de blogs, (são 2 apenas… blogs. Porque anos de blog já são muitos mais) não vou mencionar nomes de pessoas e Serviços ou Unidades. Apenas refletir e opinar.

É importante começar por sublinhar que um processo de denúncia é sempre extremamente complexo, delicado e pesado para todos os envolvidos, especialmente para os denunciantes.

Por isso, o meu respeito e consideração por todos os profissionais que tiveram a coragem de assinar esse abaixo-assinado ou Manifesto em oposição aos problemas que são do conhecimento público e que lamentavelmente estão disseminados um pouco por todo o país, por todo o mundo: assédio moral e violência psicológica, por quem está acima na hierarquia laboral.

Este flagelo não é único na instituição implicada. Muitos certamente têm conhecimento de problemas semelhantes numa outra Unidade, mas significativamente mais pequena. Aí só não “rebenta a bomba” porque a equipa de enfermagem é muito curta e desunida. Dessa forma, o senhor diretor de serviço reina a seu belo prazer, como se de uma clínica privada se tratasse, mas nem nessas se pode aceitar uma liderança autocrática, com coação permanente.

Conheço de muito perto ambos os problemas. A fonte sempre foi segura e totalmente fiável. Muitos profissionais desta instituição sabem, mas sempre se foi consentindo, porque os visados são muito poderosos.

Voltando ao primeiro e central problema. Mantenho contacto com vários colegas que pertencem a essa equipa que redigiu a denúncia. Pertenci a esse departamento, felizmente já não. Tive eu próprio o meu conflito com o visado e curiosamente devido ao Blog. Por isso estou em posição de ter uma opinião.

Este caso relembrou-me esse episódio conflituoso. E como além de conflituoso, é curioso, partilho convosco. Foi provavelmente o episódio que mais me marcou em 15 anos de blogs.

Corria o ano de 2015. À data, o senhor de que se fala, já era máximo responsável por todo o departamento em questão.

Decidiu então, o senhor de que se fala (relembre-se, médico), que os enfermeiros da Unidade X teriam de descer para ajudar no Serviço Z, trabalhando à tarefa. O Serviço Z tinha passado uma fase recente de aumento de rácio, que há muito se desejava, porém, mesmo assim, o senhor de que se fala, decidiu, contra vontade de praticamente toda, ou toda até, equipa de enfermagem da Unidade X, que os elementos da mesma sairiam por “empréstimo” para o Serviço Z, para trabalhar à tarefa. Depois de muitos conflitos, discussões e confusões, foi o que aconteceu.

Na altura escrevi sobre isso de forma ponderada. Expus o meu ponto de vista com algum cuidado, porque sabia que aquele meu post poderia “chegar-lhe aos ouvidos”. Lancei questões para a reflexão e discussão geral. Escrevi sobre os aspetos positivos e negativos daquele contexto, naquele momento. Não queria problemas, até porque, apesar de não pertencer a nenhum dos dois serviços envolvidos, pertencia ao mesmo departamento. Não podia comprar uma guerra com alguém do topo da pirâmide e que eu (e muitos outros), já consideravam extremamente perigoso.

O Blog atravessava uma fase de enorme afluência. Tinha centenas de visitas e participantes diários. Era um autor anónimo e procurava a muito custo manter o meu anonimato, mas nessa fase comecei a ser “descoberto”. A curiosidade e a vontade de destaparem o meu anonimato era tanta, que envolveu engenheiros informáticos para me identificarem.

O senhor de que se fala sabia-o. E soube-o por colegas meus, que na altura considerei traidores. Chama-me a um gabinete, traz o diretor do Serviço Z da altura e o enfermeiro-chefe. Fecha a porta e alterado, “encosta-me à parede”. (Não me tocou! É em sentido figurativo!) Praticamente só ele falou. Disparou, ameaçou como quis. Eu respondi que aquilo era apenas a minha opinião, mas que se incomodava assim tanto, que apagaria esse post. Manteve o tom e aí dei possivelmente a melhor resposta da minha vida, perante uma grande adversidade ou intimidação – respondi-lhe que “o 25 de Abril já tinha acontecido em Portugal.” Sendo ele natural de país estrangeiro, poderia ter sido demasiadamente provocador. Mas aí o tom desceu, terá percebido talvez que eu não me iria deixar intimidar. E por muito dura que fosse a ameaça, terá percebido, naquele instante, que eu estava disposto a defender-me até ao último reduto. Mesmo assim acabei por retirar o post, seria uma luta desigual e teria que pensar em algo mais do que apenas em mim e na minha convicção e liberdade de expressão.  

Ainda hoje guardo o post em “rascunhos” e este momento fez-me revisitá-lo e confirmar que de facto era inofensivo. Era uma opinião (igual à de muitos que permaneciam em silêncio) e que afinal fazia algum sentido, porque tempos mais tarde, aquela imposição terminou. Os enfermeiros da Unidade X, deixaram de ter de descer para o Serviço Z.

Voltando novamente ao problema central.

É importante salientar que todo o departamento em questão evoluiu sob a coordenação do senhor de que se fala. A Unidade X e o Serviço Z melhoraram a sua capacidade e estou convicto que todos os que fazem esta grave denúncia, reconhecem que o senhor de que se fala, teve uma forte influência nesse facto.

Mas… para que um líder seja bom, a capacidade de gestão e organização de serviços e equipas não se pode dissociar de uma única premissa – o respeito entre pares. Uma não pode crescer em sentido oposto à outra.

Um líder só é bom, quando consegue conciliar estes dois aspetos.

O inquérito apurará a verdade dos factos e as decisões estarão a cargo da administração.

Só espero que depois disto, não saiam prejudicados todos aqueles (e foi em número extenso) que tiveram a coragem de assinar essa denúncia.

E espero também que nenhum líder autocrático resista a equipas unidas e sólidas