A minha avó morreu ontem no conforto do seu lar. Em paz. Morreu
no dia de renascimento da Primavera, um dia de luz e alegria, como tanto
gostava.
Foram 4 dias de um sono profundo, tranquilo, até ontem. O
dia da sua partida. Em paz.
A sua família, todos os que amava, junto a si.
Houveram silêncios, lágrimas e risos ao redor da cama. Pelo amor
e respeito, pela saudade e amizade, pelas histórias e recordações. Desde os
filhos até aos pequenos bisnetos, todos ao seu jeito, se despediram.
Deveria ser sempre assim, em qualquer lar. Mas nem sempre é,
ou atrevo-me a pensar que poucas vezes será, num panorama nacional.
A minha avó durante estes longos e difíceis meses, teve o
apoio de uma equipa de suporte em cuidados paliativos. Esclareceram dúvidas,
quer por telefone, quer presencialmente, conversaram, aconselharam, ajustaram a
medicação para um maior conforto, falaram sobre o que é sempre complexo de
abordar, porque cada um tem a sua perceção e filosofia de vida. (Como
trabalho também neste contexto, por vezes dou por mim a pensar que palavras
escolher com aquela família, para abordar o assunto morte).
Também ouviram e guardaram as suas histórias e conselhos de
mulher sábia e solidária.
A minha avó entrou no sono profundo numa quinta-feira. A
equipa de cuidados paliativos já lá tinha estado antes, numa fase em que ainda
se alimentava, apesar de muito pouco ou quase nada. Pela sua ultra-resistência
e por já ter passado por vários momentos semelhantes, não se antevia, nesse
momento, o fim tão próximo.
As últimas noites tinham sido muito pesadas para a minha avó
e para o meu tio, que com ela morava.
Na sexta-feira eu a minha prima, ambos profissionais de
saúde, fomos comunicando a toda a família que a morte da nossa avó estava para
breve. Pensei que fosse uma questão de horas, mas foram 4 dias.
A minha irmã sai de Tenerife, uma outra prima de Viseu, o primeiro bisneto do Porto. Rapidamente todos estavam por perto.
Era o momento de pensar no plano para minimizar qualquer sofrimento, quer da minha avó, quer de toda a minha família, pois estávamos a entrar no fim-de-semana e sem a equipa de suporte. Eram quase 17h, sexta-feira, hora de encerramento do serviço da Equipa de suporte em cuidados paliativos, até segunda-feira.
Mas tinha de lhes telefonar. Tinha a sorte de ser enfermeiro,
a sorte de pertencer à mesma instituição, a sorte de sermos parceiros em
trabalho, a sorte de ter alguns dos seus contactos pessoais, a sorte de ter
algumas relações de amizade. Mas nem todos podem, nem todos têm.
Aí, tive uma ajuda fundamental e decisiva.
Ela não teria de o fazer, pois estava na sua mais que
merecida pausa, mas fê-lo, por amizade e mesmo que não fosse por amizade, não
tenho dúvidas que o faria e a quem quer que fosse.
E não tenho dúvidas que qualquer um dos elementos desta
equipa o faria, porque neles reconheço um sentido humanitário mais além. Esse é o principal requisito para o objetivo que se pretende atingir nestas equipas.
Durante todo o fim-de-semana, de manhã até à noite,
estivemos em contacto. Por vezes nem era eu que tomava a iniciativa. E só assim conseguimos garantir esse ambiente de
confraternização e paz.
E por isso o meu eterno reconhecimento e agradecimento. A todos e a ela em especial. E o agradecimento da minha família que tanto os elogiaram.
E quis o destino que fosse como escrevi com 10 anos de
idade, nessa composição – “Irei acalmá-la em qualquer problema que ela tiver”,
pois com esta ajuda, coloquei na minha avó o dispositivo que profundiu a
medicação necessária para que tivesse em paz, para que partisse em paz.
Com isto pretendo chegar a um único ponto: Alargar com
urgência, o suporte em cuidados paliativos, a todo o utente do SNS, de forma
permanente.
É certo que os serviços autónomos em cuidados paliativos não
existiam a 10, 15 anos atrás. Nem quero imaginar, no passado, como se morria em
casa ou como não se morria em casa.
Muito evoluímos em cuidados paliativos neste país, nestes anos.
Mas há que evoluir mais.
Deixo o apelo ao Ministro da saúde, ao CEO do SNS e a todas as administrações de ULS deste país para assegurar cuidados paliativos nos sete dias da semana, 24 horas por dia, porque a morte não tem horas de expediente.
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