19 agosto, 2024

Toda a verdade sobre o meu caso com a Ordem



Nota prévia: Este post é uma retrospetiva das minhas vivências dos últimos meses/anos, relacionadas com o Blog e com a Ordem dos Enfermeiros. São reflexões que gostaria que ficassem registadas.

Aliás, esse é o propósito principal de todo o Blog – há coisas que não quero esquecidas com o tempo. Tenho alguma obsessão com isso.

Quando se fala do passado da Ordem, é incontornável que, não só mas também, se fale da sua ex-bastonária. Quem, de alguma forma acompanhou o blog, sabe que sempre fui um acérrimo crítico da sua postura, durante os seus mandatos, enquanto figura pública - Bastonária.

Ao terminar este post, soube, por uma casualidade, do seu problema de saúde. Desconhecia que passou por momentos muito difíceis e espero, como é óbvio, que os ultrapasse o mais rápido possível, que tenha saúde e que seja feliz.

Depois, perante essa má notícia, pensei em abortar esta minha reflexão, mas não faria sentido. Assuntos profissionais estão num lado, assuntos pessoais estão no oposto e apenas o menciono porque foi tornado público, num programa de TV.

O meu mandamento é – desde que haja respeito e não se minta, tudo se pode escrever. Todo o meu sentimento em relação àquilo que foi o seu trajeto enquanto bastonária, já é do seu conhecimento e o que escrevo não lhe é novidade.


                                             *****

Em 2008 quando iniciei o “Porque deixei de ser enfermeiro” comecei a escrever sobre reflexões de coisas ligadas ao meu trabalho de enfermeiro. Umas mais sérias, outras mais inusitadas, abordava os problemas do dia a dia, as amarguras, as boas e más experiências, além de outros assuntos relacionados com a saúde, lutas sindicais, etc.

E assim continuou até aos dias de hoje de uma forma mais ou menos regular e continuará, embora que mais intermitente.

Esta intermitência deve-se a 3 fatores:

1. Aos condicionalismos por ter deixado de ser anónimo. Uma coisa é ser-se anónimo e mesmo não descurando a subtileza e respeito, poder escrever disparates sem grandes filtros, outra coisa é saber-se quem sou, o que invariavelmente adensa os filtros.

2. Ao vazio de ideias e à preguiça. Não sou escritor, não tenho pressão editorial, logo havia e há indisciplina. Tive vaidade e gosto por manter uma página vibrante, ativa  e visitada, mas o desleixo piora sempre tudo.

3. À Ordem dos Enfermeiros. Não a instituição, mas a algumas pessoas que lá estiveram, estão e continuarão a estar. É sobre este fator que me debruçarei, desejo imensamente, pela última vez.


Há uns atrás, durante o mandato de Ana Rita Cavaco, comecei a assistir a alguns episódios que, a meu ver, não eram normais e/ou corretos. Muitos partilhavam esta opinião e muitos outros diziam que a senhora era irreverente, “fora da caixa”, e de que era disso que a enfermagem precisava, para avançarmos.

Vamos a ver e no final dos 2 mandatos, com permanente interferência sindical, jogo politico-mediático e pressão negativa no Ministério da Saúde, em números redondos conseguiu ZERO para a carreira, para a evolução da profissão.

Reconheço que se terá aplicado, mas essa foi a realidade.

A minha convicção foi que esse contexto, essa postura, foi prejudicial para o avanço do que quer que fosse e que o pouco que se foi tendo, foi pela ação direta dos sindicatos.

Não tenho dúvidas que o PS de Costa, Adalberto e Marta não nutriam qualquer empatia pela figura da Bastonária PSD da Ordem dos Enfermeiros, o que constituía uma peça na parca engrenagem.

Adorada e mesmo venerada por muitas e muitos, eu (e muitos outros) apenas achávamos a sua conduta inapropriada e legalmente questionável.

Incomodavam-me as notícias na comunicação social e a malcriadez nas redes sociais. Incomodavam-me os infindáveis processos nos tribunais. Incomodava-me a arrogância, os estranhos e excessivos gastos, o jogo político, etc.

A dado momento os meus posts eram centrados nessa exposição, crítica e repúdio. E assim foi durante muito tempo. Estava intensamente incomodado e revoltado e cada dia aumentava mais esse sentimento, ao ponto de ter lançado um Manifesto pela dignidade dos enfermeiros (link) onde publicamente criticava o que considerava anormal na postura da Bastonária. Houve inclusivamente um abaixo-assinado de apoio ao documento, sendo o Manifesto subscrito por centenas de enfermeiros. Pagava (e pago) quotas, sou membro, logo tinha o direito de pronúncia. Não me revia em nada daquilo, queria uma representação digna, digníssima.

Apesar de muitos também a desprezarem, sentia-me um pouco solitário naquela luta, questionava-me por que razão não havia mais impacto, afinal de contas tudo aquilo era demasiadamente mau. Fui ineficaz na divulgação, no conteúdo? Haveria desvalorização dos enfermeiros? Indiferença? Ignorância? Medo? Os admiradores perderiam a noção do certo e errado, da decência e indecência? Do respeito e desrespeito?

Tudo aquilo mexeu alguma coisa com a senhora, mexeu na Ordem. Nos corredores, soube de fonte interna, falava-se de um processo disciplinar contra mim. Em casa, a minha mulher abria-me os olhos quando me disse que estava a ficar obcecado por ela. E estava de facto. A indignação e revolta por ver a figura a liderar a Ordem dos Enfermeiros era tanta, que estava a comprometer seriamente a minha sanidade mental.

Numa altura em que a comitiva da Ordem, sem a bastonária, veio em peso a Viana para um evento qualquer, avistaram-me por acaso num bar à noite e todos (sim, eram todos homens) me fitavam, apontavam e sorriam sarcasticamente, ao ponto de quem estava comigo me perguntar o que se estava a passar. É certo que se terão questionado – É aquele o artista que nos anda a incomodar? Lembro-me de idealizar um cenário agressivo, chamando-os um a um. Estava com cólera acumulada. Mas não posso ser assim, não quero ser assim. Era altura de largar o osso.

As ameaças de um processo estavam também a afetar-me. Não andava a trabalhar para pagar 1 cêntimo que fosse para defesa em tribunal de algo associado à Ordem. Era uma luta desigual. A Ordem dos Enfermeiros de Ana Rita Cavaco durante os dois mandatos esbanjou milhares e milhares de euros das nossas quotas em advogados e vários processos judiciais, em defesa e acusação, eu para me defender teria de pagar do meu bolso. Era altura de pôr um travão.

Sobre processos haveria muito a falar. Quem pagou a defesa do processo de sindicância, onde recentemente a ex-bastonária e mais não sei quem, foram considerados culpados? Possivelmente saíram a rir, pois a multa foi cómica, mas não deixam de ser culpados! Quem paga a defesa de um processo que se arrasta há anos, em que a ex-bastonária e vários elementos da Ordem estão implicados, por suspeita de peculato e falsificação de documentos com "despesas de almoços e jantares nos dias em que declarou deslocações que não fez". "Nos dias em que apresentava para pagamento deslocações para fora de Lisboa apresentava, em simultâneo, despesas de refeições tituladas por faturas emitidas por diferentes restaurantes localizados em Lisboa". Era tipo comer em Lisboa, mas afinal estavam em Bragança, ou viajei para Leiria, mas afinal estou em Lisboa.

Era então tempo de parar, mas não desistir. A energia que a minha revolta gerava deveria ser recanalizada. Mais ou menos nessa fase de descrença, aceitei o convite de pertencer ao projeto de candidatura do Mário André Macedo – Enfermeiros Unidos. Estava empolgado. Com muitas dificuldades, avanços e recuos, construímos uma equipa incrível, de colegas com trajetos profissionais ímpares, de todas as áreas da enfermagem: da prática à docência, passando pela investigação e gestão. Muitos recusaram o convite, mas apoiavam e votariam na candidatura e uma grande fatia desses dizia mesmo, que o motivo da recusa, era porque tinham receio de represálias por parte da Ordem de ARC, só para se ter uma noção do clima de pressão que existia. E será que ainda existe?

Como referi houve recuos nesta candidatura e é isto que também me desilude na enfermagem - a falta de clarividência, determinação e união.  Num momento em que o Movimento Enfermeiros Unidos já não era desconhecido e se afigurava a opção mais consistente para quem discordava da estratégia da Ordem de ARC, surgem alguns rumores de outras iniciativas de candidatura. Até aí tudo bem, mas quando se procura unir forças para derrubar um “reinado” forte e até se conclui que os projetos são semelhantes, havendo lugar para todas e todos, os egos e a sede de poder falam mais alto. E então o desgaste e a incerteza instalam-se, os projetos enfraquecem o tempo passa e o tempo é ainda mais precioso nestes processos.

Mesmo assim, o Movimento Enfermeiros Unidos cresceu, cresceu tanto que já havia muito nervosismo do lado adversário, com comentários infelizes e provocadores, principalmente do principal rosto da Ordem, famosa por incendiar as redes sociais.

Avançou-se com a candidatura, foi entregue nas instalações da Ordem dentro do prazo legal e a partir daqui inicia-se uma sequência daquilo que muitos consideram um atentado à democracia.

1. Entregamos a maior candidatura de sempre, com quatro vezes mais assinaturas do que as requeridas e o regulamento eleitoral estipula que o candidato seja notificado sobre a elegibilidade das listas, no prazo de 10 dias úteis. Pois passaram mais de 15 dias e não houve nenhuma notificação, mesmo após serem questionados, o que revela uma total desconsideração.

2. De seguida, sem (novamente) sermos notificados, emitem um comunicado que nos exclui das eleições e, mantendo a desconsideração, nem sequer mencionam o nome da nossa lista, o nome do Movimento e candidatura. O argumento foi que teríamos entregue a candidatura fora do prazo. Outra irregularidade da comissão eleitoral prende-se com a troca de papeis entre o Presidente da Mesa da Assembleia Geral e o Presidente da Comissão eleitoral.

3. A data final para entrega das listas calhava a um domingo, ora como as instituições públicas estão fechadas ao domingo, o estipulado, segundo a lei, é que a data final transita para o dia útil seguinte, 2.ª feira. A lei é clara e inequívoca  neste aspeto.

4. Mas a vontade da Ordem foi outra e em pleno período eleitoral, com 4 dias de antecedência, decidem "mudar a lei", as regras do jogo, comunicando que as listas teriam que ser entregues na 6.ª feira anterior a esse domingo.

5. Antevendo esta artimanha, fomos mesmo entregar as listas nessa 6.ª feira inventada à pressão. Quem lá foi, garante que estava lá bem antes da hora de fecho (17h) e segundo reza a história, a ex-bastonária por lá perto andava e a administrativa que recebeu o processo tinha alguma dificuldade de processamento, se é que me estão a entender. O que é certo é que as portas da Ordem estavam abertas e que houve um comprovativo de entrega.

6. Com toda a vagareza forçada, o procedimento foi processado uns minutos depois das 17h, resultado: excluídos! Milhares de horas de trabalho de largas dezenas de enfermeiros esfumadas numa questão de minutos e malabarismos.

7. Rapidamente e com efusividade, se comunica a todos os enfermeiros, que há uma lista única de candidatura a bastonário. Ao mesmo tempo, a digníssima ex-bastonária dispara nas redes sociais a seguinte vil provocação: “Anda por aí um grupo que se intitula de qualquer coisa unidos. A única coisa onde estão unidos é no ódio.” A interpretação fica ao critério de cada um, guardando para mim a minha, para não descer abaixo do seu nível.

8. Grande parte dos enfermeiros do Movimento vêem-se no dever democrático de contribuir monetariamente para avançarmos para tribunal. Após uma longa espera e centenas de páginas de adendas que a Ordem acrescenta ao processo para o empatar e inviabilizar recurso, a juíza considera que a nossa contestação à inviabilização da candidatura era legítima e merecia defesa e discussão, porém por um “pormenor técnico” perdemos a nossa causa.

9. O “pormenor técnico” era no mínimo surreal. E porquê? A juíza alegava que não havia prova que o enfermeiro que assinava a entrega das listas, pertencia ao Movimento Enfermeiros Unidos. Ora este Movimento era livre, espontâneo e informal, quem quisesse pertencia-lhe e não havia cargos, havia apenas debate de ideias e trabalho para depois se construir uma futura equipa que assumisse a Ordem. Mesmo que isso não chegasse, bastaria pedir os dossiers eleitorais e constataria que lá estava o termo de aceitação do enfermeiro que assina o processo.

10. A conclusão que fizemos é que a justiça quando não quer decidir, esquiva-se. Eu vou mais longe nas conclusões, neste caso em particular, na minha opinião, a justiça protegeu o forte e desvalorizou o fraco. Se já era um pessimista descrente em relação à justiça em Portugal, pior fiquei.

11. Foi uma desilusão para todos os que contribuíram na construção desse projeto e para todos os que o acompanhavam por fora e que já tinham manifestado o seu apoio com a intenção de voto na nossa lista.

12. O processo eleitoral prosseguiu com a lista única desejada. Todos conhecem esta lista, os nomes mantêm-se, rodam umas cadeiras, o vice passa a presidente e surgem umas caras novas. O resultado foi um desastre eleitoral, mas não seria único. Abstenção nos 80% e um número imenso de votos em branco e nulos.

13. O atentado democrático não por aqui ficaria. Passados meses, a propósito das eleições intercalares para eleger o conselho de supervisão e o conselho nacional de enfermeiros, convocam uma Assembleia geral com 48 h de antecedência (prática não inédita), aprovam o regulamento eleitoral e convocam eleições, com apenas uma semana dada para as listas serem apresentadas. O resultado foi novamente lista única e mais um desastre eleitoral com 93% de abstenção e dos votantes, cerca de 25%, votaram nulo ou em branco.


Tudo isto tornou-se um deja vu para mim. Não estava a acreditar que voltava a acontecer o mesmo outra vez. Quatro anos antes, pertencia à equipa da candidatura do Gonçalo Cabral a Bastonário e tivemos a nossa candidatura anulada, porque a poucos dias da entrega das listas, a Ordem lembra-se de aplicar a lei da paridade e dessa forma já não tivemos tempo para uma reorganização e novas assinaturas dos elementos candidatos. Todo o trabalho teve que se repetir numa questão de pouquíssimos dias e logo imaginam o que acontece quando se fazem as coisas à pressa.

Por tudo isto afastei-me do blog. Tinha de atenuar a minha revolta e frustração. Tinha de desanuviar e desligar de modo radical. E assim foi.

As duas experiências de candidatura neste espaço temporal de 4 anos, apesar de infrutíferas pelo que referi, nunca as retiraria do meu percurso, porque muito aprendi e acima de tudo conectei-me (não virtualmente) com colegas incríveis, que trariam (e irão trazer) evolução para a enfermagem em Portugal.

Agora estou sereno, com a consciência purificada. Habitualmente critica-se, sem mexer um dedo para mudar, eu procurei fazer tudo ao meu alcance para contribuir na mudança de algo que durante muito tempo critiquei.

06 junho, 2024

O caso da Triagem no Hospital de Viana - o outro lado da moeda


Há 1 ano que cá não vinha. Por variadíssimas razões que talvez um dia as enumere.

Hoje regresso porque o tema seguinte não me sai da cabeça:

Há cerca de 2 semanas morreu um homem com um Enfarte Agudo do Miocádio, no Serviço de Urgência do Hospital Santa Luzia - Viana do Castelo. Tinha sido triado com pulseira verde (tempo máximo de espera - 2 horas) e após cerca de 3 ou 4 horas de espera (as noticias divergem neste ponto)  na Sala de Espera, é levado para a Sala de Emergência, acabando por falecer após algumas horas de tentativa de reanimação. (Consultar a noticia para outros pormenores no link)

E não me sai da cabeça porquê?

Porque aconteceu no meu Hospital, da minha cidade. Porque fiz parte daquela equipa de enfermagem e porque, de alguma forma, quem trabalhou na equipa de enfermagem deste Serviço de Urgência, continuará a pertencer-lhe, pelas experiências, pelas relações, pelas aprendizagens e pelas amizades.

Porque, de alguma forma, senti que o que se passou com a colega que triou este senhor, poderia ter-se passado comigo, durante as milhares de horas de triagem que fiz. 

O que ela sente e vive no presente e que possivelmente a perturbará no futuro, poderia ser o mesmo a qualquer um de nós, enfermeiros que triam e triaram. 

Porque a Triagem de Manchester sempre foi um tema-alvo das minhas reflexões. Foi tema aqui neste Blog (O caso do enfermeiro de Leiria, visto por mim), onde uma situação semelhante a esta aconteceu e varias vezes tema também, no primeiro Blog Porque deixei de ser enfermeiro , (ver etiquetas "Triagem de Manchester" na coluna direita). Revisito essas passagens e reparo que o passado é também actual, os problemas mantêm-se.

E porque reparo, alguma imprecisão e ignorância nas notícias e as mesmas adicionadas à crueldade e injustiça nas redes sociais, principalmente para com a enfermeira.

Em primeiro lugar, como cidadão e como profissional de saúde, devo lamentar esta morte e endereçar sentidas condolências aos familiares. 

Não me parece que haja dúvidas que houve uma falha grave, porém, como é claro, não me pronunciarei aqui sobre esta por vários motivos: existe um processo de inquérito a decorrer, desconheço a realidade dos factos e porque já ouvi mais que uma versão dos acontecimentos. 

E, quando desconheço a realidade dos factos e quando ouço apenas uma ou mais diferentes versões dos acontecimentos, calo-me, para não dizer disparates. O mesmo deveriam fazer os comentadeiros de redes sociais, mas como sabemos, isso é quase impossível, porque pela internet rareia o bom senso e o filtro.

Por conseguinte, o meu único papel aqui é procurar ajudar a desmontar algumas ideias erradas sobre a Triagem de Manchester e não só, ao cidadão comum e porventura a alguns profissionais de saúde.

A Triagem de Manchester é, na minha opinião e na de muitos outros profissionais de saúde, sejam médicos ou enfermeiros, um sistema imperfeito e falível.

O conceito e o método da Triagem de Manchester são bons, diria até ótimos e são os indicados para o contexto de um Serviço de Urgência, porém ao longo destes últimos 20 anos de implementação deste sistema, várias foram as vezes, que em equipa, discutíamos algumas lacunas do sistema. Algo poderia escapar, passar despercebido. 

Tanto assim é, que são frequentes os casos de falhas na Triagem. Uns tornam-se mediáticos pelos contornos de gravidade extrema, mas muitos outros acabam por passar despercebidos.

De uma forma resumida, a Triagem de Manchester é um sistema ultra rápido de atribuição de prioridades, onde o enfermeiro vai colocando ao utente algumas questões simples em torno das queixas que este menciona. O utente poderá não estar capaz de responder e nessa situação, o mais provável é alguém responder por ele.

Mediante as suas respostas e através de uma visualização do utente pelo enfermeiro, vai-se "descartando" cores (das prioridades), parando logo à partida num vermelho (emergente) ou descendo até um azul (não urgente).

Reparem que se trata de uma mera "visualização" rápida. Não é, repito, não é uma observação minuciosa, uma avaliação rigorosa, pois estas apenas poderão ser efetuadas à posteriori, numa sala de observação, sala de tratamentos, consultório médico, sala de Emergência, etc, quer pelo médico e/ou quer pelo enfermeiro. 

Portanto, a ideia de que ali na Triagem se iria "ver o historial" e os antecedentes familiares do senhor, como a sua familiar se questiona em entrevista, é no mínimo muito pouco provável. 

O enfermeiro poderá eventualmente, em bom rigor, no caso de uma queixa evidente e explícita de dor torácica, questionar quais os antecedentes pessoais e familiares do utente para melhorar a informação, porém à partida isso nem irá condicionar a sua decisão, porque basta uma queixa evidente e explicita de dor torácica, para que a pulseira seja urgente ou muito urgente, ou seja, amarela ou laranja, ou seja 60 mnts ou 10 mnts de espera máxima e acima de tudo, perante esta queixa, aciona-se uma Via Verde coronária, onde rapidamente é efetuado um eletrocardiograma e despistado um evento cardíaco.

Agora, terá havido uma queixa evidente e explícita de dor torácica? 

Não sei. O ou os inquéritos apurarão.

Continuando com a definição resumida de Triagem de Manchester:

A escala de dor, a frequência cardíaca, oximetria de pulso, temperatura e glicemia são aqui os únicos parâmetros concretos que nos auxiliam e conduzem para uma prioridade final. E não, a tensão arterial nunca é avaliada na Triagem, como a mesma familiar da vítima equacionou.

E terminando toda a teoria rápida sobre Triagem de Manchester, há um sexto sentido que alguns, em determinadas ocasiões, podem ter. 

O que é que quero dizer com isto? 

Por exemplo, por vezes chegava um utente ao Serviço de Urgência com uma determinada queixa, que pelo algoritmo da Triagem de Manchester, lhe era atribuída uma prioridade pouco urgente, mas por acaso o enfermeiro que estava a triar até era experiente e estava concentrado, não estava exausto e irritável. E até achava que apesar da queixa leve, algo de errado se passava com aquela pessoa. E lá encontrava forma de "adulterar" o sistema de Triagem e atribuía-lhe uma prioridade mais alta ou até era reconhecido pelo médico e pedia-lhe diretamente para que observasse o utente rapidamente. E assim se ajudou a salvar algumas vidas, não tenho dúvidas disso.

Portanto, a ideia de que o enfermeiro não é capaz de triar e melhor fosse o médico, é completamente errada e injusta. 

A competência para "exercer" Triagem de Manchester é validada por um curto curso estruturado mediante diretivas internacionais  e direcionado para médicos e enfermeiros , mas que a quase ou totalidade dos médicos nada quer, nem nunca quis, com ela. 

Não digo que os médicos não seriam capazes de triar, claro que seriam, o que digo é que os enfermeiros são os melhores a interpretar os sinais que o utente nos dá, os verbais, os não verbais, a expressão corporal e facial, além de todos os dados objetivos.

E porquê? Porque além da formação, têm a experiência, pois estão em permanência, 24 sobre 24 horas, à frente do utente, nos internamentos, nas Salas de Observação, etc

As notícias, os testemunhos e os comentários de internet apontam apenas um dedo - para a enfermeira, mas parece a todos escapar um pormenor que poderá ser um pormaior. A enfermeira atribuí um tempo máximo de espera de 2 horas, porém o utente esperou 3 a 4 horas na Sala de Espera, ou seja, possivelmente quase o dobro do expectável. O que significa que, a ter havido falhas, não poderão ser apenas imputadas à enfermeira, mas também ao médico que não chamou o utente dentro do limite de 2 horas ou ao sistema entupido que não permitiu que os médicos chamassem o utente dentro daquele período.

Para terminar a desmontagem de falso conceito de muitas pessoas,  refletido no testemunho da familiar da vítima, ao referir que no momento da reanimação, "vieram médicos de todos os lados", devo dizer que não eram só médicos que vinham de todos os lados.

Vieram médicos e enfermeiros de todos os lados, porque naquela sala estariam médicos e certamente enfermeiros e muito provavelmente estariam mais enfermeiros do que médicos. Não estou a querer afirmar que a quantidade é primordial. Naquela sala, enfermeiros e médicos trabalham num conceito de equipa, mediante a liderança de um médico.

Mas (novamente) a Triagem é imperfeita e falível.

Vejamos: o meu chefe fazia (e provavelmente ainda faz) um tratamento estatístico de todos os resultados dos enfermeiros que triavam. Conseguia saber, por exemplo, num período de um mês, quais os enfermeiros que "davam" mais verdes e os que "davam" mais laranjas. Os resultados eram francamente díspares. 

O que significa isto? Os estatísticos diriam que a triagem não é uma ciência exata, não existe um padrão. O que para mim é um alho, para o outro pode ser um bugalho.

Com tudo isto, não estou a querer ser o advogado da colega, apenas estou a defender o lado da enfermagem. O outro lado da moeda. 

A enfermagem por si, é uma profissão de risco e penosidade elevada o que conduz ao aumento da probabilidade de erro. 

Não sou eu que o digo, são os estudos científicos e não estou a querer dizer que foi isso o que aconteceu, porque, mais uma vez, isto não se trata de "desvendar" erros ou falhas.

Sejam sensatos, sejam justos e acima de tudo sejam solidários.

Abraço de força para a colega!