Nota prévia: Este post é uma retrospetiva das minhas vivências dos últimos meses/anos, relacionadas com o Blog e com a Ordem dos Enfermeiros. São reflexões que gostaria que ficassem registadas.
Aliás, esse é o propósito principal de todo o Blog – há
coisas que não quero esquecidas com o tempo. Tenho alguma obsessão com isso.
Quando se fala do passado da Ordem, é incontornável que, não
só mas também, se fale da sua ex-bastonária. Quem, de alguma forma acompanhou o
blog, sabe que sempre fui um acérrimo crítico da sua postura, durante os seus
mandatos, enquanto figura pública - Bastonária.
Ao terminar este post, soube, por uma casualidade, do seu
problema de saúde. Desconhecia que passou por momentos muito difíceis e espero,
como é óbvio, que os ultrapasse o mais rápido possível, que tenha saúde e que seja
feliz.
Depois, perante essa má notícia, pensei em abortar esta
minha reflexão, mas não faria sentido. Assuntos profissionais estão num lado,
assuntos pessoais estão no oposto e apenas o menciono porque foi tornado
público, num programa de TV.
O meu mandamento é – desde que haja respeito e não se minta,
tudo se pode escrever. Todo o
meu sentimento em relação àquilo que foi o seu trajeto enquanto bastonária, já
é do seu conhecimento e o que escrevo não lhe é novidade.
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Em 2008 quando iniciei o “Porque deixei de ser enfermeiro” comecei a escrever sobre reflexões de coisas ligadas ao meu trabalho de enfermeiro. Umas mais sérias, outras mais inusitadas, abordava os problemas do dia a dia, as amarguras, as boas e más experiências, além de outros assuntos relacionados com a saúde, lutas sindicais, etc.
E assim continuou até aos dias de hoje de uma forma mais ou
menos regular e continuará, embora que mais intermitente.
Esta intermitência deve-se a 3 fatores:
1. Aos condicionalismos por ter deixado de ser anónimo. Uma coisa é ser-se anónimo e mesmo não descurando a subtileza e respeito, poder escrever disparates sem grandes filtros, outra coisa é saber-se quem sou, o que invariavelmente adensa os filtros.
2. Ao vazio de ideias e à preguiça. Não sou escritor, não tenho pressão editorial, logo havia e há indisciplina. Tive vaidade e gosto por manter uma página vibrante, ativa e visitada, mas o desleixo piora sempre tudo.
3. À Ordem dos Enfermeiros. Não a instituição, mas a algumas pessoas que lá estiveram, estão e continuarão a estar. É sobre este fator que me debruçarei, desejo imensamente, pela última vez.
Há uns atrás, durante o mandato de Ana Rita Cavaco, comecei a assistir a alguns episódios que, a meu ver, não eram normais e/ou
corretos. Muitos partilhavam esta opinião e muitos outros diziam que a senhora era irreverente, “fora da
caixa”, e de que era disso que a enfermagem precisava, para avançarmos.
Vamos a ver e no final dos 2 mandatos, com permanente
interferência sindical, jogo politico-mediático e pressão negativa no
Ministério da Saúde, em números redondos conseguiu ZERO para
a carreira, para a evolução da profissão.
Reconheço que se terá aplicado, mas essa foi a realidade.
A minha convicção foi que esse contexto, essa postura, foi
prejudicial para o avanço do que quer que fosse e que o pouco que se foi tendo,
foi pela ação direta dos sindicatos.
Não tenho dúvidas que o PS de Costa, Adalberto e Marta não nutriam
qualquer empatia pela figura da Bastonária PSD da Ordem dos Enfermeiros, o que
constituía uma peça na parca engrenagem.
Adorada e mesmo venerada por muitas e muitos, eu (e muitos outros) apenas achávamos a sua conduta inapropriada e legalmente questionável.
Incomodavam-me as notícias na comunicação social e a
malcriadez nas redes sociais. Incomodavam-me os infindáveis processos nos
tribunais. Incomodava-me a arrogância, os estranhos e excessivos gastos, o jogo
político, etc.
A dado momento os meus posts eram centrados nessa exposição,
crítica e repúdio. E assim foi durante muito tempo. Estava intensamente
incomodado e revoltado e cada dia aumentava mais esse sentimento, ao ponto de
ter lançado um Manifesto pela dignidade dos enfermeiros
(link) onde publicamente criticava o que considerava anormal na postura da
Bastonária. Houve inclusivamente um abaixo-assinado de apoio ao documento,
sendo o Manifesto subscrito por centenas de enfermeiros. Pagava (e pago)
quotas, sou membro, logo tinha o direito de pronúncia. Não me revia em nada
daquilo, queria uma representação digna, digníssima.
Apesar de muitos também a desprezarem, sentia-me um pouco solitário
naquela luta, questionava-me por que razão não havia mais impacto, afinal de
contas tudo aquilo era demasiadamente mau. Fui ineficaz na divulgação, no
conteúdo? Haveria desvalorização dos enfermeiros? Indiferença? Ignorância?
Medo? Os admiradores perderiam a noção do certo e errado, da decência e
indecência? Do respeito e desrespeito?
Tudo aquilo mexeu alguma coisa com a senhora, mexeu na
Ordem. Nos corredores, soube de fonte interna, falava-se de um processo
disciplinar contra mim. Em casa, a minha mulher abria-me os olhos quando me disse
que estava a ficar obcecado por ela. E estava de facto. A indignação e revolta
por ver a figura a liderar a Ordem dos Enfermeiros era tanta, que estava a
comprometer seriamente a minha sanidade mental.
Numa altura em que a comitiva da Ordem, sem a bastonária,
veio em peso a Viana para um evento qualquer, avistaram-me por acaso num bar
à noite e todos (sim, eram todos homens) me fitavam, apontavam e sorriam sarcasticamente, ao ponto de quem estava comigo me perguntar o que se
estava a passar. É certo que se terão questionado – É aquele o artista que
nos anda a incomodar? Lembro-me de idealizar um cenário agressivo,
chamando-os um a um. Estava com cólera acumulada. Mas não posso ser assim, não
quero ser assim. Era altura de largar o osso.
As ameaças de um processo estavam também a afetar-me. Não andava a trabalhar para pagar 1 cêntimo que
fosse para defesa em tribunal de algo associado à Ordem. Era uma luta desigual. A Ordem dos Enfermeiros
de Ana Rita Cavaco durante os dois mandatos esbanjou milhares e milhares de
euros das nossas quotas em advogados e vários processos judiciais, em defesa e
acusação, eu para me defender teria de pagar do meu bolso. Era altura de pôr um
travão.
Sobre processos haveria muito a falar. Quem pagou a defesa
do processo de sindicância, onde recentemente a ex-bastonária e mais não sei
quem, foram considerados culpados? Possivelmente saíram a rir, pois a multa foi
cómica, mas não deixam de ser culpados! Quem paga a defesa de um processo que
se arrasta há anos, em que a ex-bastonária e vários elementos da Ordem estão
implicados, por suspeita de peculato e falsificação de documentos com "despesas
de almoços e jantares nos dias em que declarou deslocações que não fez".
"Nos dias em que apresentava para pagamento deslocações para fora de
Lisboa apresentava, em simultâneo, despesas de refeições tituladas por faturas
emitidas por diferentes restaurantes localizados em Lisboa". Era tipo
comer em Lisboa, mas afinal estavam em Bragança, ou viajei para Leiria, mas
afinal estou em Lisboa.
Era então tempo de parar, mas não desistir. A energia que a
minha revolta gerava deveria ser recanalizada. Mais ou menos nessa fase de
descrença, aceitei o convite de pertencer ao projeto de candidatura do Mário
André Macedo – Enfermeiros Unidos. Estava empolgado. Com muitas dificuldades,
avanços e recuos, construímos uma equipa incrível, de colegas com trajetos
profissionais ímpares, de todas as áreas da enfermagem: da prática à docência,
passando pela investigação e gestão. Muitos recusaram o convite, mas apoiavam e
votariam na candidatura e uma grande fatia desses dizia mesmo, que o motivo da
recusa, era porque tinham receio de represálias por parte da Ordem de ARC, só
para se ter uma noção do clima de pressão que existia. E será que ainda existe?
Como referi houve recuos nesta candidatura e é isto que também
me desilude na enfermagem - a falta de clarividência, determinação e união. Num momento em que o Movimento Enfermeiros
Unidos já não era desconhecido e se afigurava a opção mais consistente para
quem discordava da estratégia da Ordem de ARC, surgem alguns rumores de outras
iniciativas de candidatura. Até aí tudo bem, mas quando se procura unir forças para
derrubar um “reinado” forte e até se conclui que os projetos são semelhantes, havendo
lugar para todas e todos, os egos e a sede de poder falam mais alto. E então o
desgaste e a incerteza instalam-se, os projetos enfraquecem o tempo passa e o
tempo é ainda mais precioso nestes processos.
Mesmo assim, o Movimento Enfermeiros Unidos cresceu, cresceu
tanto que já havia muito nervosismo do lado adversário, com comentários
infelizes e provocadores, principalmente do principal rosto da Ordem, famosa
por incendiar as redes sociais.
Avançou-se com a candidatura, foi entregue nas instalações da Ordem dentro do prazo legal e a partir daqui inicia-se uma sequência daquilo que muitos consideram um atentado à democracia.
1. Entregamos a maior candidatura de sempre, com quatro vezes mais assinaturas do que as requeridas e o regulamento eleitoral estipula que o candidato seja notificado sobre a elegibilidade das listas, no prazo de 10 dias úteis. Pois passaram mais de 15 dias e não houve nenhuma notificação, mesmo após serem questionados, o que revela uma total desconsideração.
2. De seguida, sem (novamente) sermos notificados, emitem um comunicado que nos exclui das eleições e, mantendo a desconsideração, nem sequer mencionam o nome da nossa lista, o nome do Movimento e candidatura. O argumento foi que teríamos entregue a candidatura fora do prazo. Outra irregularidade da comissão eleitoral prende-se com a troca de papeis entre o Presidente da Mesa da Assembleia Geral e o Presidente da Comissão eleitoral.
3. A data final para entrega das listas calhava a um domingo, ora como as instituições públicas estão fechadas ao domingo, o estipulado, segundo a lei, é que a data final transita para o dia útil seguinte, 2.ª feira. A lei é clara e inequívoca neste aspeto.
4. Mas a vontade da Ordem foi outra e em pleno período eleitoral, com 4 dias de antecedência, decidem "mudar a lei", as regras do jogo, comunicando que as listas teriam que ser entregues na 6.ª feira anterior a esse domingo.
5. Antevendo esta artimanha, fomos mesmo entregar as listas nessa 6.ª feira inventada à pressão. Quem lá foi, garante que estava lá bem antes da hora de fecho (17h) e segundo reza a história, a ex-bastonária por lá perto andava e a administrativa que recebeu o processo tinha alguma dificuldade de processamento, se é que me estão a entender. O que é certo é que as portas da Ordem estavam abertas e que houve um comprovativo de entrega.
6. Com toda a vagareza forçada, o procedimento foi processado uns minutos depois das 17h, resultado: excluídos! Milhares de horas de trabalho de largas dezenas de enfermeiros esfumadas numa questão de minutos e malabarismos.
7. Rapidamente e com efusividade, se comunica a todos os enfermeiros, que há uma lista única de candidatura a bastonário. Ao mesmo tempo, a digníssima ex-bastonária dispara nas redes sociais a seguinte vil provocação: “Anda por aí um grupo que se intitula de qualquer coisa unidos. A única coisa onde estão unidos é no ódio.” A interpretação fica ao critério de cada um, guardando para mim a minha, para não descer abaixo do seu nível.
8. Grande parte dos enfermeiros do Movimento vêem-se no dever democrático de contribuir monetariamente para avançarmos para tribunal. Após uma longa espera e centenas de páginas de adendas que a Ordem acrescenta ao processo para o empatar e inviabilizar recurso, a juíza considera que a nossa contestação à inviabilização da candidatura era legítima e merecia defesa e discussão, porém por um “pormenor técnico” perdemos a nossa causa.
9. O “pormenor técnico” era no mínimo surreal. E porquê? A juíza alegava que não havia prova que o enfermeiro que assinava a entrega das listas, pertencia ao Movimento Enfermeiros Unidos. Ora este Movimento era livre, espontâneo e informal, quem quisesse pertencia-lhe e não havia cargos, havia apenas debate de ideias e trabalho para depois se construir uma futura equipa que assumisse a Ordem. Mesmo que isso não chegasse, bastaria pedir os dossiers eleitorais e constataria que lá estava o termo de aceitação do enfermeiro que assina o processo.
10. A conclusão que fizemos é que a justiça quando não quer decidir, esquiva-se. Eu vou mais longe nas conclusões, neste caso em particular, na minha opinião, a justiça protegeu o forte e desvalorizou o fraco. Se já era um pessimista descrente em relação à justiça em Portugal, pior fiquei.
11. Foi uma desilusão para todos os que contribuíram na construção desse projeto e para todos os que o acompanhavam por fora e que já tinham manifestado o seu apoio com a intenção de voto na nossa lista.
12. O processo eleitoral prosseguiu com a lista única desejada. Todos conhecem esta lista, os nomes mantêm-se, rodam umas cadeiras, o vice passa a presidente e surgem umas caras novas. O resultado foi um desastre eleitoral, mas não seria único. Abstenção nos 80% e um número imenso de votos em branco e nulos.
13. O atentado democrático não por aqui ficaria. Passados meses, a propósito das eleições intercalares para eleger o conselho de supervisão e o conselho nacional de enfermeiros, convocam uma Assembleia geral com 48 h de antecedência (prática não inédita), aprovam o regulamento eleitoral e convocam eleições, com apenas uma semana dada para as listas serem apresentadas. O resultado foi novamente lista única e mais um desastre eleitoral com 93% de abstenção e dos votantes, cerca de 25%, votaram nulo ou em branco.
Tudo isto tornou-se um deja vu para mim. Não estava a acreditar que voltava a acontecer o mesmo outra vez. Quatro anos antes, pertencia à equipa da candidatura do Gonçalo Cabral a Bastonário e tivemos a nossa candidatura anulada, porque a poucos dias da entrega das listas, a Ordem lembra-se de aplicar a lei da paridade e dessa forma já não tivemos tempo para uma reorganização e novas assinaturas dos elementos candidatos. Todo o trabalho teve que se repetir numa questão de pouquíssimos dias e logo imaginam o que acontece quando se fazem as coisas à pressa.
Por tudo isto afastei-me do blog. Tinha de atenuar a minha
revolta e frustração. Tinha de desanuviar e desligar de modo radical. E assim
foi.
As duas experiências de candidatura neste espaço temporal de
4 anos, apesar de infrutíferas pelo que referi, nunca as retiraria do meu
percurso, porque muito aprendi e acima de tudo conectei-me (não virtualmente)
com colegas incríveis, que trariam (e irão trazer) evolução para a enfermagem
em Portugal.
Agora estou sereno, com a consciência purificada. Habitualmente critica-se, sem mexer um dedo para mudar, eu procurei fazer tudo ao meu alcance para contribuir na mudança de algo que durante muito tempo critiquei.